sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Boca do lixo

          Hoje, no hospital, fui surpreendido por fato inusitado. Dirão que não, que tal não deve ser considerado inusitado, posto que é o que se espera em tais casos, notadamente em se tratando desse hospital. O que aconteceu foi o seguinte — a casa de saúde cheirava mal em todos os aposentos onde estive. Julguei que havia, comigo mesmo, algo errado. Pensei para mim uma dessas rinites ozenosas que atacam alguns pobres indivíduos. Em contrapartida, imaginei que a crise do hospital tivesse atingido níveis tão elevados que nem mais material de limpeza houvesse para dissipar seus odores e sujeira.
          Todos sabemos que nossas crises são infindáveis e eternas. A única a ser debelada foi a antiga "crise inflacionária" que esteve a nos atacar após o chamado milagre brasileiro. Fora essa, desconheço a resolução de qualquer outra de nossas crises. Com efeito, todas as nossas crises só se aprofundam. Somos campeões em criar e perenizar crises. E mais — é já conhecida a ameaça que paira sobre aquilo que se considerava resolvido. Os novos do poder, cuja farra com o erário beira um "gang bang" dirigido por Buttman, estão prestes a trazer de volta o monstro que assolou o país por décadas.
        E, assim, já me acomodava na covardia natural do brasileiro quando diante de mais uma crise, e dizia em meu pensamento: -"É isso mesmo..." Para que se ensimesmar por coisas que ninguém tem interesse em mudar? A angústia é a do que infarta. Retardemo-na, portanto. Em particular, no caso desse hospital, o usuário não se presta ao mínimo de dignidade. Ele próprio é causa de seus males e perfídias.
          E nem nego que me tenha lembrado da anedota do português que viajava em certo trem no Brasil, e vítima de jovens e nativos gozadores. Que fizeram os garotos? Enquanto o pobre homem dormia, passaram-lhe merda nos vastos e densos bigodes. Ao despertar daquele sono que só as viagens proporcionam, o luso já sentia o olor bem próximo a si, e cafungava pra cima, pra baixo, pros lados, tentando identificar a fonte da fedentina, e nada. Dali a pouco abre a janela, põe a cabeça para fora, inspira forte pelo nariz e conclui, decepcionado, com as mãos à cabeça: -"Ai, Deus meu! é o mundo inteiro!"
          Mas voltemos à podridão que parecia inundar o hospital. Acudiu-me a idéia de uma halitose generalizada que houvesse atingido a todos. Seria uma epidemia de bocas fétidas.  Já vislumbrava as variadas causas que explicassem individualmente a inusitada e odorífera peste. De repente, em menos de um minuto, veio a explicação — o colega com quem eu conversava apresentava, de fato, uma dessas halitoses imperdoáveis e hediondas, que impede que a conversa prossiga um à frente do outro. É imperativo, em determinado momento, que nos viremos de lado para continuar o diálogo sem que o interlocutor perceba-nos a eloqüente razão
          Dali a pouco, já livre do indesejável conversador, um amigo me puxa e, quase me encostando os lábios à orelha, quis saber -"Sentiste o péssimo cheiro da boca do fulano?" Eu, verdadeiramente apreensivo com a situação do colega, emendei: -"Quem terá a coragem de o avisar?" Sem obter resposta, nos afastamos e fomos cada um cuidar de nossos afazeres. A dúvida que me assaltava então era a seguinte: e nos outros aposentos?  Estavam todos com a boca podre também nos outros aposentos? Parecia que minha hipótese se confirmava —uma epidemia se instalara. Em breve, como na história do português, seria o mundo todo. De lá fui direto pra casa escovar os dentes e embrocar a garganta.

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