Outro dia falei de reuniões. Que disse eu sobre elas? Disse, por exemplo, que as detesto. Disse também que elas nunca resolvem aquilo a que se propõem, tudo em função do mais recente e lapidar princípio da gestão brasileira, o princípio do faz-de-conta.
Hoje tive o desprazer de estar numa reunião. A certa altura, eu disse: -"Minhas colocações baseiam-se em princípios, senhores"... Qual era o contexto? Referi-me, em primeiro lugar, aos princípios da boa prática e, em seguida, defendia o que chamo de "princípio da independência técnica". São princípios da boa prática ouvir e examinar o paciente com calma e delicadeza. A pressa é, definitivamente, a maior causa de erros e omissões. E o que diachos seria esse "princípio da independência técnica"? Simples: - quanto mais "cirurgicamente" capacitado estiver o cirurgião a resolver problemas diversos numa Emergência Cirúrgica, menos necessitará da ajuda de um especialista. (No Direito, os princípios são mais importantes do que as leis.)
Agora pergunto: - é bom o princípio da independência técnica? E, antes que me respondam, vou mais longe. Quero também saber: - é bom o princípio do faz-de-conta? (Só agora percebo que não expliquei o que seria ele. Mas é muito simples. Quando se tem um problema que se sabe difícil de resolver ou não se quer resolver, o gestor público faz de conta que está empenhado em resolver ou, ainda pior, faz de conta que o resolveu. Não sei se me faço entender.) Assim, repito a pergunta: - é bom o princípio do faz-de-conta?
Tem-se duas respostas para esta indagação. Sim, ele é bom, muito bom, pra lá de bom, quando usado eleitoreiramente para uma massa de gente ignara; e não, ele não é bom, porquanto perpetua e até aprofunda a gravidade do problema que se pretendia resolver. Então, conclui-se que há maus princípios. O do faz-de-conta é um deles.
E o da independência técnica? Bem, mais uma vez temos duas respostas. A primeira é que ele não é bom. Na verdade ele é mau, muito mau porque... porque... porque... Não consigo achar uma única e mísera razão pela qual possamos julgar que seja mau o princípio da independência técnica, a não ser para o preguiçoso, para o que não quer fazer, para o que prefere que outros façam aquilo que sua função exige e para a qual foi treinado em algum momento de sua formação. Para esses, o princípio da independência técnica é um transtorno, uma dor de cabeça, um pesadelo...
(Digo isso e já nem sei se quem exige é a função ou o gestor. Bem, o gestor nada exige... a quem deveria exigir. Exige de quem já faz, de quem trabalha, de quem cumpre seu papel. E por que razão age assim, cobrando de quem faz e não cobrando de quem deveria fazer? A razão é muito simples: - quem não faz, jamais fará, ao passo que quem faz possivelmente fará.)
E, afinal, é bom o princípio da independência técnica? Resposta: - num momento de parcos recursos humanos e elevada demanda ele seria simplesmente a solução. Como seria a solução?, perguntará o mais cretino dos viventes. É tudo, mais uma vez, muito simples. Senão, vejamos.
O que é o especialista? Segundo uma anedótica definição, especialista é o sujeito que sabe quase tudo sobre quase nada. Se o sujeito sabe um montão de coisas sobre uma unha – presumindo que uma unha seja uma coisa infinitamente tendente ao nada –, presume-se que seu conhecimento não é muito útil quando, além de unhas, dedos, pés, pernas e braços fizerem parte do problema. Isso é tanto mais verdade quando o maior problema da unha for sua quebra por forças externas. É muito provável que uma força externa, ao quebrar uma unha, quebre também ossos e partes moles do dedo ao qual pertence essa desafortunada unha. Se ao lidar com o problema da unha formos obrigados a necessitar do especialista em ossos e do especialista em partes moles, já teremos três especialistas envolvidos. Todos sabem: - o serviço público de saúde brasileiro é uma lástima, para não dizer um crime. Não há especialista que chegue.
Se, ao contrário, o sujeito entender de unha, ossos e partes moles danificadas, a coisa já muda de figura. Ele, sozinho, será capaz de resolver tudinho utilizando-se de seus conhecimentos em unhas, ossos e partes moles danificadas. Vejam que ele nem necessita conhecer doenças outras das unhas nem dos ossos para lhes reparar o dano inicial. Em outras palavras, ele, ao invés de tratar de unhas danificadas somente, será capaz de tratar dedos inteiros.
A reunião acabou e o gestor só a muito custo entendeu todo esse blablablá sobre independência técnica, unhas e dedos machucados. Idiota sou eu que não sei usar analogias mais apropriadas.
Oi, Dr. Fernando...espero q estejas bem... sinta o meu abraço!
ResponderExcluirE até que a gente se encontre fique pois com tudo o que acalma o coração.
"
Márcia