quarta-feira, 16 de abril de 2014

Omissão criminosa

          É bem sabido que o homem é o conjunto de suas atitudes. É sabido também que palavras e atitudes são frequentemente inconciliáveis. O que são palavras? Resposta: - palavras nada são. Principalmente se emitidas por políticos e por gestores de instituições públicas. E mais. Palavras não são ouvidas por todos, ao passo que a atitude gera ondas de admiração, ou de indignação, que alcançam os mais remotos pontos do globo terrestre. Por exemplo, o caso do segundo assassinato perpetrado ontem nas dependências do hospital público administrado pela Prefeitura de Fortaleza, o Instituto Dr. José Frota (IJF). 
          A título de fazer um assustador exercício de memória, lembro aos pouquíssimos leitores de além-mar que no dia 31 de julho do ano passado um menor invadiu as dependências desse mesmo IJF e assassinou a tiros um desafeto que lá se encontrava internado (http://umhomemdescarrado.blogspot.com.br/2013/08/saudades-da-paz.html). À época, a publicação de meu texto gerou, entre alguns amigos que se alinham inteiramente com a gente do poder estadual e municipal por conta da manutenção de seus cargos, uma particular "indignação". Um deles ligou-me para me cobrar uma postura mais amena, mais amistosa para com o prefeito. Afinal, ele estaria imbuído dos melhores propósitos e intenções, e estaria fazendo o que pode, um esforço hercúleo, com o propósito de solucionar os problemas desta paupérrima e desafortunada cidade. Disse mais o meu amigo, a respeito do assassinato em plena repartição pública; disse que o assassino alvejou sua vítima fora do hospital e não lá dentro, como afirmei em meu texto. Ficou comprovado: - o crime ocorreu nas dependências do hospital. Vejam, então, que a atitude de meu amigo nada mais é do que a atitude de meio Brasil. Meio Brasil tem interesse unicamente e exclusivamente em seus próprios interesses, como é o caso com os nossos políticos. Vê-se bem que meio Brasil age exatamente da mesma forma que os políticos que elege. Assim, não admira que um seja a cara do outro, políticos e eleitores.
          Agora, precisamente ontem, um homem adentrou calmamente o ambiente da Emergência do IJF e sapecou cinco – repito: - cinco – tiros de revólver naquele que queria ver morto. O resultado, segundo os propósitos do agressor, foi o melhor possível. A vítima, que ao que consta estava sendo socorrida devido a lesões sofridas em acidente automobilístico, não teve a mínima e a menor chance. Morreu quase instantaneamente.
          É digno de nota o seguinte: - este é o fato. Tergiversar sobre ele é um exercício rotundo de canalhice e mau-caratismo. O sujeito não entrou atirando, nem fez reféns, nem veio acompanhado de sua gangue. 
          Os cinco tiros podem ser questionados. O médico legista há de contar no cadáver o número de orifícios, enquanto o pessoal da balística dirá quantas cápsulas foram deflagradas. Dirá alguém que o homem morreu em consequência das lesões causadas pelo acidente, o que é uma possibilidade, mas as testemunhas, seus socorristas, hão de contribuir para provar se prestavam atendimento a um defunto ou a uma vítima de lesões decorrentes de um abalroamento. 
         O meu amigo, que não é nem besta e quer defender seus interesses, assim como ametade do Brasil, há de fuçar em suas opiniões aquela que apele a meu coração, numa demonstração de boa vontade para com os administradores municipais. O diabo é conciliar os malditos, persistentes e incômodos fatos às mais diversas e recalcitrantes opiniões. (Diz o Robert Kiyosaki que, se não se pode demonstrar que algo é um fato, então é apenas e tão-somente uma opinião.)
          Nada disso tem a menor importância, eis a grande verdade. A grande verdade é que esse elemento, o assassino, entrou pela porta da frente do hospital levando consigo uma arma de fogo na intenção de atirar, na intenção de matar. E logrou êxito. Temos um cadáver, mas poderíamos ter mais de um, inclusive o de um funcionário público em pleno exercício de suas funções. 
          Não é de agora, nem de hoje, nem de há uma semana, nem de há meses que o pessoal da enfermagem deste hospital IJF vem, reiteradas vezes, comunicando a seus chefes e superiores, senhoras e senhores sisudos e compenetrados, as agressões verbais e atitudes hostis de que têm sido vítimas, durante seus turnos de plantão, por parte dos pacientes-bandidos e acompanhantes-bandidos que ocupam as enfermarias deste horroroso hospital. (Atente-se que há pacientes lá internados que não se enquadram na categoria "bandido". São pessoas doentes "de doença" ou vítimas dos criminosos.)
           O Código Penal brasileiro, em seu artigo 331, diz que é crime "desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela", e comina uma pena de "detenção de seis meses a dois anos ou multa" para o criminoso. As agressões e desacatos são diários, horários, quase contínuos, mas nenhum funcionário dignou-se a fazer uma queixa-crime na delegacia distrital. Por quê?, perguntarão os mais inocentes e os mais diabólicos. A resposta é simples: - o Estado não tem poder para oferecer proteção ao cidadão comum e, por conseguinte, ao funcionário público agredido e ameaçado em pleno exercício de suas funções. Esses funcionários temem, com toda razão, serem alvos fáceis à vendeta desses facínoras. Transpostos os muros do hospital, cada um que se cuide.
          A partir de 31 de julho de 2013 os muros do hospital nada mais puderam deter. Aquela data – hoje tomamos plena consciência desta terrível verdade – marcou o início do impensável: - as ruas de Fortaleza transitam nos corredores do Instituto Dr. José Frota. Em menos de 1 ano dois crimes de morte por arma de fogo ocorreram nas dependências deste indigno nosocômio. Se havia alguma dúvida sobre a postura da Superintendência e da Direção do IJF quanto às queixas e súplicas de seus funcionários em seus reclames por segurança, já hoje não há mais: - covarde e abjeta é a atitude desses sisudos e compenetrados senhores e senhoras. Promessas, e promessas, e promessas... Reuniões, e reuniões, e reuniões, e reuniões... Uma atitude própria de canalhas. 
          A Secretaria de Saúde do Município, à qual o IJF se liga no organograma da gestão municipal, e a própria Prefeitura menos ainda fazem ou fizeram. Quiçá jamais tenham sequer tomado conhecimento dos terríveis e diários fatos que estão a ocorrer no cerne desta repartição. Se sabem e nenhuma atitude resolvente tomam, só se pode concluir o seguinte: - são criminosamente omissos. (Quem sabe de um crime em andamento e não o denuncia ou o impede tendo poderes para fazê-lo, é cúmplice.) Se os órgãos superiores nada sabem em razão da omissão dos gestores do hospital, ainda assim teriam a obrigação de saber. Em ambos os casos, os gestores do hospital são igualmente criminosos por terem conhecimento dos crimes e nada fazerem para impedi-lo. 
          Não chegam a ser surpresa os assassinatos nas dependências do IJF. Do jeito que vão as coisas nesta horrível cidade, com a omissão criminosa e coletiva de seus gestores; com a completa falta de segurança em ruas, avenidas, praças, transporte público, praias, shopping centers, lojas, bancos, condomínios, edifícios comerciais, hospitais particulares, etc.; com a atitude passiva da população como vaca em corredor da morte para o abate, nada há de diferente a se esperar. O crime tornou-se ubíquo; ultrapassou limites até há pouco impensáveis e intransponíveis. Ninguém está a salvo; ninguém está seguro. Este cenário se transporta ao IJF porque, sendo ele um hospital que atende vítimas da violência, ela, a violência, lá "deságua" em toda sua plenitude, em toda sua ferocidade, em toda sua nudez e hediondez. 
          Os gestores do IJF saibam: - seu caráter e sua consciência estão sendo testados.  Caráter e consciência são diretamente proporcionais. Dos gestores públicos nada esperemos. Afinal, eles são os maiores canalhas de toda essa tragédia. Sua consciência não lhes amola nem um pouco...

2 comentários:

  1. Concordo com tudo aqui falado e hoje presenciei uma cena lamentável, onde um Dr. foi chamado de vagabundo.

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  2. Terá sido eu, da parte um Dr. Diretor e após ler-me o texto?

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