segunda-feira, 4 de abril de 2011

OS ÁTOMOS DO SENHOR

"Não concordo com uma única palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte o vosso direito de dizê-la." [François-Marie Arouet (Voltaire)]

            "A falsa ciência gera ateus; a verdadeira ciência leva os homens a se curvar diante da divindade." (Idem)

            Aviso de antemão – estou para adentrar em tema espinhoso. E o faço somente porque minha inteligência não permite que a aviltem com conceitos destituídos do sentido da razão e da ciência mais pura e cristalina. Digo tais coisas porque eu mesmo, durante certo tempo, estive embrutecido pela falsa ciência e falso conhecimento. A inocente inteligência, sob o peso de gritantes evidências, não se satisfaz com menos.
            Um amigo, confesso seguidor do espiritismo, por sua própria vontade e discernimento, quis me emprestar literatura pertinente. Eu, admirador e defensor do direito e liberdade à expressão das idéias, sejam elas quais forem, a peguei e a li.
Digo mais. Li com a mente aberta, como quem lê a demonstração da solução de uma equação do segundo grau, em que pese o fato de a matemática, com toda a sua abstração, não necessitar de conhecimento prévio para evidenciar suas verdades, ao contrário do assunto em pauta. Dito de outra forma, ler com a mente aberta é, antes de tudo, não impor resistência inicial ao conteúdo; é querer, já ao início, referendar como verdades as proposições colocadas; é querer acreditar, em suma. E é exatamente por isso que uma leitura com a mente aberta permite conhecer o peso da verdade e a leveza da mentira ou da falsa verdade tão logo uma delas se mostre inconfundível.
Partamos do princípio conciliável de que não seja necessário se admitir seguidor de nenhuma fé ou credo ou religião para se perceber, dentro de um determinado corpo doutrinário, falhas e rachaduras graves e comprometedoras. Esse é o tema que passo a abordar.
Em determinado ponto do livro, a título de exemplo dentre outros, como prova incontestável da existência do mundo espiritual e da realidade da comunicação entre vivos e mortos, o autor usou referência que certamente tem como confiável. Desconheço autor que queira provar suas teses utilizando más e/ou inconfiáveis referências. O autor nos transporta, então, ao Segundo Livro de Samuel da Bíblia Sagrada, em seu capítulo 28, que passo a transcrever em sua maior parte para que se entendam a tese do autor da literatura espírita e o nosso contraditório.
Já Samuel era morto, e todo o Israel o tinha chorado e o tinha sepultado em Ramá, que era a sua cidade; Saul havia desterrado os médiuns e os adivinhos.
Ajuntaram-se os filisteus e vieram acampar-se em Suném; ajuntou Saul a todo o Israel e acamparam em Gilboa.
Vendo Saul o acampamento dos filisteus, foi tomado de medo, e muito se estremeceu o seu coração.
Consultou Saul ao SENHOR, porém o SENHOR não lhe respondeu, nem por sonhos, nem por Urim, nem por profetas.
Então, disse Saul aos seus servos: Apontai-me uma mulher que seja médium, para que me encontre com ela e a consulte. Disseram-lhe os seus servos: Há uma mulher em En-Dor que é médium.
Saul disfarçou-se, vestiu outras roupas e se foi, e com ele dois homens e, de noite, chegaram à mulher; e lhe disse: Peço-te que me adivinhes pela necromancia e me faças subir aquele que eu te disser.
Respondeu-lhe a mulher: Bem sabes o que fez Saul, como eliminou da terra os médiuns e adivinhos; por que, pois, me armas cilada à minha vida, para me matares?
Então Saul lhe jurou pelo SENHOR, dizendo: Tão certo como vive o SENHOR, nenhum castigo te sobrevirá por isso.
Então, lhe disse a mulher: Quem te farei subir? Respondeu ele: Faze-me subir Samuel.
Vendo a mulher a Samuel, gritou em alta voz. E a mulher disse a Saul: Por que me enganaste? Pois tu mesmo és Saul.
Respondeu-lhe o rei: Não temas; que vês? Então, a mulher respondeu a Saul: Vejo um deus que sobe da terra.
Perguntou ele: Como é a sua figura? Respondeu ela: Vem subindo um ancião e está envolto numa capa. Entendendo Saul que era Samuel, inclinou-se com o rosto em terra e se prostrou.”
Creio me ter delongado em demasia, mas julguei necessário, como já disse, ao bom entendimento do que estou para propor. Esse trecho bíblico foi usado como prova da possibilidade da comunicação dos vivos com o espírito dos mortos.
Ocorre que no próprio trecho há uma informação valiosíssima: Saul, então rei de Israel, expulsara do país e enviara ao exílio os médiuns e adivinhos obedecendo ao que havia dito o SENHOR em Deuteronômio 18:10: “Não se achará entre ti quem faça passar pelo fogo o seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro; nem encantador, nem necromante, nem mágico, nem quem consulte os mortos; pois todo aquele que faz tal coisa é abominação ao SENHOR; e por estas abominações o SENHOR, teu Deus, os lança de diante de ti.”  
            Vê-se, então, que o autor do livro que meu amigo me emprestou usou trecho bíblico que lhe servia a seu propósito, mas esqueceu de acrescentar que tal prática era terminantemente proibida pelo SENHOR. E esqueceu ainda mais, do Primeiro Livro das Crônicas, 10:13: “Assim, morreu Saul por causa da sua transgressão cometida contra os SENHOR, por causa da palavra do SENHOR, que ele não guardara; e também porque interrogara e consultara uma necromante”.
            Bem se vê que o autor crê em algo da Bíblia, mas não em tudo; crê na parte que lhe vem bem; usa o texto sagrado como fonte confiável e autorizada, mas não revela que a mesma fonte contém informações adicionais que esclarecem mais detalhadamente o assunto.
            Por quê?, essa é a pergunta que me faço até agora. Há uma ciência e um conhecimento corrompidos nesse tipo de publicação, mesmo que a pessoa em nada creia. Tomando o fato nu e a maneira como é exposta a “verdade” que quer demonstrar, há uma falta gravíssima e digna de nota e reflexão à luz das inteligências mais puras, imparciais e sequiosas. O que causa espanto e terror é a adoção e proliferação como verdade de incoerências e omissões monstruosas como a que lhes apresentei.
            Para que não fique sem resposta os inevitáveis questionamentos que se seguirão, há, no texto bíblico, inúmeras passagens que justificam a proibição do SENHOR  a tais práticas, como na Segunda Carta aos Tessalonicenses, 2: 9: “Ora, o aparecimento do iníquo é segundo a eficácia de Satanás, com todo poder, e sinais, e prodígios da mentira”.

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