quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Como um soldado russo

As garrafadas não foram o bastante para lhe tirar os topetes, embora nunca mais tenha sequer sonhado em novamente jogar garrafas ao chão.
            O diabo é que seguia briguenta. Por qualquer coisinha peitava o namorado, outro que não aquele das bordoadas térmicas. Nem se lembrava depois, ao final da intriga, por que implicara. Era assim.
            Vinham no carro e ela iniciava a confusão. Qualquer motivo era o bastante. E queria sair, descer do carro. Uma vez quase abre a porta com o veículo em movimento. O rapaz, apavorado, freou, puxando o carro pro acostamento. Dali ela saiu andando aquele andar de soldado russo em parada, na calçada. Ele vinha bem devagar, dirigindo, apelando para seu bom senso; que subisse de volta ao carro, que as pessoas estavam notando, que não havia razão para aquilo, e tal, e coisa.
            Ela, ranheta que era, batia o pé mais forte no chão e gritava: -“Não subo!” No final, depois de adulações mil, ela sempre voltava ao carro e acabavam por se apaziguar.
            Teria agido assim sei lá quantas vezes, até certo dia em que ele a buscou no trabalho para o almoço. Foram a um restaurante refinado, um pouco distante. Ele fazia tudo pra agradar a pequena. Dir-se-ia um desses cavalheiros escassos ao dia de hoje.
            De volta, não sei por qual razão, ela encheu-se de cólera. Tão logo subiu, tão logo desceu do carro do namorado. E dava todos os sinais de que voltaria ao trabalho a pé. Ele uma única vez pediu para que ela voltasse ao carro. Ela foi taxativa: -“Nem morta! Pode ir embora!”
            Nem um segundo se passou e ele arrancou com o veículo e saiu quase voando. Ela não acreditou, e saiu correndo gritando por ele: -“Fulano, volte aqui! Não me deixe aqui sozinha!”
            Teve de andar, como um soldado russo em parada militar, os dez quilômetros de volta ao trabalho. Não tinha um tostão no bolso para pegar um táxi. E ainda atrasou-se ao bater o ponto.
            Dois dias depois ele ligou. Ela lhe passou um desses esculachos constrangedores, mas ele não saiu dos sapatos. Disse apenas: -“Mas eu apenas fiz o que você me pediu, meu amor – fui embora.” Ela caiu em si, e não pôde dizer mais uma palavra sobre o assunto. Despediram-se sem ele lhe pedir desculpas.
            Nunca mais desceu do carro de ninguém à espera de paparicos.

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