segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Um bem gratuito

          Vejam que o sujeito cria seus próprios problemas e afaga seus pequenos e inocentes monstros que um dia virão a mordê-lo. O Padilha, por exemplo. Quer mudar, mas não move uma mísera palha. Quer se desenterrar de sob as toneladas de areia que o sufocam, mas não move um músculo. E – pior! – dá a si mesmo todo o tempo do mundo. 
          Mas tudo se explica. Não há nada que se enterre sob os escombros de uma alma sofrida que não se explique. E explica-se também a lerdeza das soluções encontradas por esses pobres seres na lida com seus fantasmas. O porquê deles? Como viverão várias vidas, em não mudando nesta, esperam para mudar na outra mesmo. Melhor. Ninguém precisa testemunhar a mudança de ninguém, ora bolas! Assim, procrastinam o inadiável. 
          Nao obstante, a história é bem pior, acreditem. Antes do postpone fatal, ou ao longo de seu continuum, Padilha agarra-se à firme convicção de que está em processo de mudança. Em sua mente e em sua consciência permanece absolutamente convencido de que está prestes e em vias de mudança radical e inexorável, quando os que o rodeiam testemunham justamente o oposto – nenhuma mudança à vista, por menor que seja. 
          Não falemos de crenças, que este é um tema espinhoso, mas digamos que também se paga pelo que se crê. Se se crê que se pode permanecer imutável impunemente sabendo-se sofredor em seu estado atual, das duas uma: ou se é masoquista ou não se é sofredor. E se não é sofredor, não há porque mudar. Se não há porque mudar, por que quer mudar? Observem que o exercício da lógica é bem útil quando as coisas não parecem muito claras. Em outras palavras, a mudança e a velocidade com que ela ocorre dependem daquilo que se crê. É uma questão de escolha, como muitas outras coisas na vida. 
          Para que servem os amigos nessas horas? Resposta: para nada. O sujeito não ouve, não dá a mínima, não quer ver. Já disse linhas atrás: crê, no caso específico do Padilha, que mudará na próxima vida, reencarnado. Vamos e venhamos, tudo parece valer na lida com a questão da aparente aniquilação definitiva. Há séculos que atormenta o homem. Por que não atormentaria ainda agora, ainda hoje? A situação fica ainda mais difícil se o amigo tomar a crença do outro como um conto de fadas de péssimo gosto. Assim, repito, paga-se pelo que se crê.
          Cada um creia no que lhe convier, portanto. E os amigos que se resignem a aceitar as mútuas esdrúxulas crenças que porventura encarem de parte a parte. É o primeiro grande exercício de democracia a se obrigar no dia a dia. O amor é um bem-querer gratuito.

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