terça-feira, 20 de maio de 2014

Anísio Silva e Paulino Rocha

          Se não me falha a memória, já havia ouvido falar, da boca de meu amigo Casoba, nesse tal Anísio Silva. Foi um cantor da velha guarda que morreu em 1989 e, ao que parece, um artista que angariou muitos fãs por cantar belas e românticas canções. O auge de sua carreira teria sido ao começo dos anos 1960, quando vendeu uma penca de seus vários discos.
          Estava ali na cantina do IJF, sentado a sorver um chá gelado. Um pouco afastado de mim, ao lado e de pé, Dr. Gerardo Frota, um de meus preceptores à época da Cirurgia Geral, fumava um de seus cigarros e olhava a fila de funcionários que esperavam para bater o ponto. Nisso, eis que se esgueira pela porta de entrada por onde passava a fila o nosso amigo e colega Anísio Alexandre. 
          Dr. Frota solta uma baforada e diz contemplativo: -"Anísio Silva"... 
          Sem entender, corrigi: -"Anísio Alexandre"! 
          Ele insistiu: -"Tu 'num' deve conhecer. Não foi de seu tempo... Anísio Silva era cantor boêmio, a voz roufenha, fazia um sucesso danado"!... 
          Ciente de meu equívoco e querendo ouvir mais da história que ele estava para relatar – Dr. Frota é homem de boas e pitorescas histórias e de comentários inusitados –, retruquei, quem sabe recordando o meu amigo Casoba: -"Sim, acho que já ouvi falar, mas não sei muito dele, não"...
          Ele continuou:
          -"O meu finado tio Paulino Rocha – desse tu deve ter ouvido –, radialista e deputado, era homem bem relacionado, conhecia todo mundo. Certa vez, perambulando pelas ruas – naquele tempo 'num' tinha essa violência louca, não –, entrou numa delegacia ali perto do farol velho para ver quem estava de serviço. O delegado logo o reconheceu; quis saber: -'Que manda, meu deputado'? Paulino Rocha perguntou-lhe se tinha algum preso, ao que o delegado respondeu: -'Tem só um, um cabra que encontramos perambulando nos botecos e nos puteiros. Como 'tava meio fora de órbita, resolvi recolhê-lo. Vadiagem é crime, né não'? O deputado quis saber: -'Como é o nome dele'? O delegado não sabia. Afinal, o homem andava sem nenhum documento. Paulino pediu: -'Deixa eu ver a cara dele'. 
           Na carceragem o deputado deu com os olhos num sujeito desprovido de dotes físicos e que lhe parecia manso como um cordeiro. Por isso pediu ao policial: -'Solta o homem qu'eu me responsabilizo; descubro já, já a procedência dele e o levo pra casa'. 
          Solto o homem, iam chegando à esquina quando pararam e ele disse: -"Agradeço muito o que o senhor fez por mim'... Paulino Rocha quis saber: -'Com'é teu nome'?
          -'Me chamo Anísio Silva'.
          -'Ah, como o cantor'...
          -'Não, senhor... Eu sou o próprio, o cantor Anísio Silva'...
          O deputado olhou meio desconfiado pro homem, incrédulo e já pensando em chamar o delegado e declarar a mudança de idéia de levá-lo consigo. Mas teve outro palpite. Disse-lhe: -'Pois vais comigo ali, agora, numas quebradas onde toca uma banda. Quero te ouvir cantar'. 
          O homem não demonstrou abalo. Pelo contrário. Olhando nos olhos do Paulino Rocha, disse-lhe candidamente: -'Para mim será um prazer e uma honra cantar pro senhor, que me socorreu e me livrou das grades'. 
          Dali a pouco o até então desconhecido soltava a voz e a birosca vinha abaixo: - era mesmo o Anísio Silva, que lhes ofertava uma apresentação especial e particular. A farra foi tão grande que só acabou muito depois de o sol raiar. Acho até que o Paulino Rocha faltou a sessão da Assembléia nesse dia"! 
          Após breve pausa, continuou: -"Tinha muita história aquele Paulino Rocha... Essa ele mesmo me contou"!...

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