sexta-feira, 13 de junho de 2014

UMA COPA REPLETA DE TUCANOS E JAPONESES PROGRESSISTAS

          Em conversa com o meu amigo Ciro Ciarlini, disse-lhe que o futebol é, provavelmente, o único esporte onde é possível o empate. Nem o voleibol, nem o basquetebol, nem o tênis, nem o handebol, por exemplo, permitem tal resultado. Dirá alguém que no basquete é possível o empate e direi que, sim, de fato, o resultado de uma partida de basquetebol pode assim o ser; mas é muitíssimo pouco provável e, mais ainda, muitíssimo pouco comum. Na Fórmula 1 dois carros podem cruzar a faixa de chegada exatamente ao mesmo tempo, mas não consigo me lembrar desta façanha desde que estou a viver. E podemos dizer o mesmo de qualquer esporte de velocidade. Portanto, eis aí os fatos que não me deixam mentir.
            Já o Ciro, que não deixa passar por menos, decretou uma outra verdade absoluta sobre o futebol: - é o único esporte em que a pior equipe pode sair vitoriosa, e que isso nem de perto chega a ser um evento raro. Pelo contrário, tão comum é esta ocorrência no futebol que a ela se referem usando de um nome simpático e intrigante: - a zebra. A zebra é virtualmente impossível em outro esporte que não o futebol. Citem aí qualquer um deles e me digam: - qual outro esporte é passivo da ocorrência da zebra, além do futebol? Nenhum, eis a crua e implacável verdade. Pois temos aí o empate e a zebra como dois atrativos a mais no chamado esporte das multidões. É até bem provável que esse esporte tenha um apelo tão popular justamente por tais razões. Em outras palavras, no futebol tudo é possível. E, coisa curiosa, no Brasil tal constatação deixa-nos ainda mais reflexivos e pensativos na busca de uma ligação entre o que ocorre no futebol e o que ocorre no dia-a-dia do país. No Brasil, também, tudo é possível.
            Ciro e eu confabulávamos sobre futebol a propósito da estreia da Seleção Brasileira, ontem, pela Copa do Mundo de 2014 contra a Croácia. O jogo foi interessantíssimo. Para mim, que detesto futebol, foi um momento de pilhéria e divertido horror. Vejam, por exemplo, que nós, os anfitriões, marcamos o primeiro gol da competição através do quarto-zagueiro Marcelo que meteu, sem querer querendo, o pé na bola num cruzamento do ataque croata, empurrando-a para o fundo de nossas redes. O lance, ao início do jogo, deu-me a sensação de que vinha a bem de uma balançada no escrete brasileiro. Dali em diante o time havia de se lançar, inexoravelmente, à busca do gol.
            O diabo é que sou um sujeito que acredita piamente em conspirações. Sim, as conspirações, em minha humilde opinião, rondam o mundo três ou quatro vezes antes de serem levadas a cabo e, por isso mesmo, muitos delas duvidam. Para mim, não. Para mim elas podem rodar o mundo quantas vezes quiserem, mas sempre hão de se concretizar. Pois ontem, no momento em que a bola dormiu ao fundo do gol brasileiro, pensei: - nossa direita quer a derrota a fim de incendiar o país numa revolta contra o governo petista. Do Oiapoque ao Chuí, do Xapuri ao Cabedelo, o pau ia cantar a torto e a direito. Sim, havia de ter ali, no gol contra do Marcelo, uma conspiração da direita positivista e liberal a serviço do capital especulativo internacional. Quanto teria levado o zagueiro do Real Madrid? Cem mil dólares seria uma quantia irrisória, que a direita desembolsaria sem o menor pudor, para derrubar os petistas. Para o jogador, seria um favorzinho banal que lhe renderia uns trocadinhos para o fim de semana. Um amigo me assegurou: - ele teria recebido 150 mil dólares. Minha ideia conspirativa durou exatamente 18 minutos, já que o Neymar, num lance absolutamente livre de qualquer suspeita, empatou o marcador.
            Não sei se perceberam nosso centroavante, o Fred. Que fez o Fred no jogo de ontem? Resposta: - nada. Digo, em vários lançamentos para a área adversária, por cima ou por baixo, esperava-se o pé ou a cabeça do Fred a empurrar a pelota para o gol croata. Quem duvidar do que digo que reveja os lances onde nosso atacante poderia perfeitamente ter sido mais obstinado. Antigamente se dizia, quando o jogador não fazia muito esforço para ganhar a jogada, que ele estaria jogando de salto alto. Pois direi sem o menor pejo: - o Fred estava jogando de salto alto, talvez um desses saltos-agulha que desafiam as leis físicas do equilíbrio. Sua namorada há de ter-lhe dado umas aulas.
            Mas, minto. E, em mentindo, estarei sendo injusto com ele. Foi precisamente o Fred, que nada fez, quem desequilibrou o jogo. Numa jogada dentro da área adversária, usou de toda catimba e malandragem para simular uma falta contra ele. Resultado: - o juiz japonês marcou pênalti. Eu disse que o juiz era japonês? Do momento em que bateram o centro até o instante do pênalti que não foi pênalti, eu tinha a plena convicção de que o juiz era coreano. Se me perguntarem o porquê desta arraigada certeza, eu não saberia explicar. Com efeito, no momento em que ele marcou o pênalti inexistente fiquei ainda mais convencido de que aquele árbitro era coreano. Minha certeza foi por terra quando exclamei, estarrecido com a incorreta anotação da falta: 
          -"Esse coreano tá maluco"!...
          ...e Bella retrucou, dez milhões de vezes mais convicta do que eu:
          -"O juiz não é coreano; é japonês.".
          Nada poderia descrever o meu terror quando constatei que ela estava certa, e os minguados leitores quererão saber o porquê. Explico. Como o japonês é um povo dado à honestidade e que paga a desonestidade que traz vergonha e desonra com o sacrifício da própria vida, passei a temer pela vida do juiz. Imaginei que ele, quando revisse o lance após o jogo nas imagens gravadas e constatasse seu crasso engano, metesse uma bala na boca num haraquiri tupiniquim sob a linha do equador. Sim, japoneses não costumam deixar barato um ato vergonhoso, ainda que involuntário, ainda que sem má intenção. O fato de seu erro prejudicar alguém deixa o japonês imerso em indizível e massacrante angústia, cujo alívio somente a morte é capaz de prover. Hoje, passadas mais de 24 horas do embate, ainda não soube do suicídio. É possível que o povo japonês esteja surfando na maré progressista atual e que seus conceitos e tradições estejam em decadência, tornando o suicídio do desonrado homem um capricho burguês conservador e idiota. Nunca se sabe...
          De qualquer forma, o Neymar bateu o pênalti e converteu, para a vergonha nacional, essa nem o mínimo incomodada. Para nós, que já nos consideramos um país progressista que jogou ao cesto do lixo os valores ultrapassados, o haraquiri é coisa de capitalista debochado. 
          A outra explicação para o "erro" do árbitro seria dada, novamente, pela minha teoria da conspiração, desta feita armada pelas esquerdas bolivarianas progressistas brasileiras, a fim de se perpetuar no poder através da criação de um grande circo nacional regado às inúmeras e bem fornidas bolsas governamentais. A direita não perdia por esperar. Compraram o Marcelo para entregar o jogo? Pois os vermelhinhos botariam pra quebrar. Comprariam logo o juiz. Nem que ele tivesse que inventar mil faltas dentro da área, não importa. O jogo seria ganho pelo escrete brasileiro, custasse o que custasse. A se confirmar a verdade desta segunda e negra hipótese, não haveria mais dúvidas: - o meritíssimo meteu a mão na Croácia resolvido a não se matar. Deve ter ido, depois do jogo, tomar champanhe na Papuda com o Genoíno e o Dirceu. A direita brasileira que se esgoele e vá reclamar com o Barbosa, digo, com o Papa. 
          Para dirimir as dúvidas de quem quer que seja sobre a existência de qualquer conspiração, o Oscar veio de lá e, com um certeiro "bicudo", meteu o terceiro gol brasileiro e liquidou a fatura. O diabo é que um amigo me escreveu para me alertar sobre o seguinte. O gol do Oscar seguiu-se a um lance irregular onde um jogador brasileiro teria cometido uma falta escandalosa sobre um jogador croata, o que possibilitou a que a pelota chegasse aos pés de nosso atacante e daí ao fundo das redes adversárias. Aí, confesso: - deu-me um nó no juízo. O juiz estava mais para Dilma do que para Aécio, sem dúvida! E pior! O chute que sepultou de vez uma possível vitória croata lembra um bicho, um pássaro que tem bico pronunciado. Não seria um tucano?

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