Eis que um dos Mesquita me bate o telefone e me convida a ir ao aniversário da mulher do Amorim, que é Mesquita. Não sei se me leu a última crônica em que me queixei do esquecimento deles em me convidar. Penso até que não deveriam tê-lo feito, já que eu estava me "escalando" para ir à festa. Coisa feia de minha parte! Não se deve agir assim, eu sei. Mas, como tenho ampla liberdade na lida com eles, fugiu-me todo o pudor. Ou seja, sou um despudorado com os Mesquita. E funcionou: veio o convite a ir à comemoração.
E aqui já faço uma ressalva: fui a essa comemoração. Não fui às outras. Confidenciou-me um deles que há três dias vinham comemorando. Era sábado. Fiz as contas e concluí que desde a quarta corria a patuscada. A conclusão a que cheguei foi que a festa de aniversário da mulher do Amorim foi mais longa do que o carnaval. E o Amorim não gosta de carnaval. Já lhes expliquei que ele gosta de sossego, que os Mesquita não lhe dão. Imaginei o sofrimento do pobre Amorim.
Fui. Comidas e bebidas à vontade. Tudo na conta do Amorim. Chegavam uns, saíam outros. Eu, que sou um sujeito pouco afeito a comer na conta alheia, confesso que optei por somente beber. Não que temesse causar alguma inadimplência ao amigo, mas por uma questão de princípios. E mais: nenhum presente levei à aniversariante. Com ela estou em débito. Em minha defesa só tenho a dizer que o convite me foi feito já a festa em andamento, e outras ocupações previamente agendadas me impediram de providenciar o mimo. Que posso fazer? Saldarei a dívida em momento oportuno. O cenário todo me levou a espasmos esfincterianos. De modo que, mesmo que desejasse, nada sólido poderia engolir.
Lá pelas tantas, puxa-me o Amorim ao lado para uns dedos de prosa. Queria me contar fato acontecido consigo ainda em noivo. Começo a perceber no amigo a vontade incontida de me abastecer com seu rico conteúdo de vida. Ou melhor, com sua vida rica em conteúdo. As duas coisas não hão de ser mutuamente exclusivas. E eu, que adoro histórias, não poderia abdicar de mais uma, inda mais sendo o Amorim seu protagonista.
Contou-me ele – e não me requisitou discrição – que certa vez foi assediado por uma certa dama desconhecida. Para me fazer entender melhor o assunto, confessou-me hábitos pouco comuns. Para começar, considerou que o maior bem que o homem tem é a saúde, e depois a liberdade. Ainda noivo, prestes a perder seu segundo maior bem, costumava encasquetar e sair em plena madrugada para saborear uma ou duas doses de uísque. Nunca foi dado às putas ou a flertes superficiais com fins imediatos. Saía tão somente na intenção do álcool. Ultrapassar os limites do lar, ver gente em movimento e ouvir alguma música eram os outros objetivos. E naquela noite não fora diferente. A noiva saíra a viajar. Gostava de estar consigo a sós. Era um momento seu, só seu.
Foi à Zug, o melhor barzinho de Fortaleza. Boa música, gente bonita, uísque legítimo. Dirigiu-se ao bar e pediu uma dose. Seguiu a saborear o néctar dos boêmios quando, súbito, um dos garçons se aproximou e, estendendo-lhe um pedacinho de papel, disse-lhe: -"Uma senhora pede que o senhor leia". Nem se dignou a desenfronhar o papel dobrado: amassou-o ali mesmo e o lançou ao lixo. Veio a segunda dose e novamente o garçom com outro bilhete: -"Desculpe, senhor, mas a senhora insiste em que leia". Ele, para não perder a compostura, educadamente perguntou ao homem: -"Quem é a senhora?"; e o garçom lhe apontou a dama. Estava com um casal numa mesa próxima. E ele, para o garçom: -"Por favor, diga a esta senhora que minha noiva chegará em cinco minutos, e que infelizmente com ela não poderei sentar". Terminou a bebida e saiu pelo lado oposto para não ter que passar perto da enxerida.
Ia fulo da vida. "Que absurdo! Ninguém podia fazer aquilo! Era uma agressão! Onde já se viu??!! O sujeito não poder sair à noite e não ter sossego, sofrer tamanha agressão, tamanha invasão! Um acinte!" Estava colérico, enfurecido, quase fora de si. Chegando em casa ligou para a noiva, que estava no Japão, e contou-lhe: -"Fulana, fui vítima de um assédio sexual!", e contou-lhe a história nos menores detalhes ao alcance da memória.
Ao término, olhou-me fixamente nos olhos e, com o dedo em riste no meu nariz, fuzilou: -"Você não teria feito a mesma coisa!" Virei o saco de pancadas do homem.