Estive este último fim de semana com meu querido amigo Amorim. Estar com ele é como estar com uma enciclopédia. Não quero plagiar aqui o indivíduo que apelidou o atacante Leônidas de "Enciclopédia", se é que foi Leônidas o apelidado, e se é que ele era atacante. Minha ignorância futebolística é um abismo sem fundo, reconheço. Mas, para o propósito que pretendo, saibam que houve um jogador brasileiro, que deve ter sido o mesmo que inventou a "bicicleta", cujo apelido foi "Enciclopédia", tamanho era o seu conhecimento das malícias e macetes do futebol. Havia de ser, sem sombra de dúvidas a pairar no ar, um craque. Mas, paremos com esse devaneio tolo, que ao Amorim devo o mínimo de consideração. Ele é o cerne do assunto que trago à baila.
A enciclopédia do Amorim é vasta. Pode parecer um pleonasmo dizer-se vasta uma enciclopédia, mas se o for, ainda assim manterei a figura de linguagem. Servir-me-á a enfatizar o enorme conhecimento que Amorim tem da vida e do ser humano, notadamente das mulheres. Muitos já conhecem alguns eventos cujo sujeito e ator principal é ele mesmo. Já afirmei uma vez e volto a repetir: muitos duvidam que ele seja uma única pessoa. A muitos parece claro que ele encarna mais de um indivíduo. E tudo isso se justifica justamente nos numerosos fatos protagonizados por ele. Duvidam que uma única pessoa possa numa única vida viver tanto, por assim dizer. O normal é que as pessoas estejam ocupadas com afazeres sem a menor importância, como trabalhar e dormir. Por quase nada trabalhar e pouco dormir é que Amorim tem tempo para viver, coisa que as pessoas pouco fazem. Ou melhor, não fazem. Daí sua dificuldade, compreensível, de entender o viver intenso de nosso querido amigo.
Mas voltemos ao fim de semana. Passamos juntos, na casa de praia de um amigo comum, o Mota. O caso é que Mota estava a se queixar das mulheres. Ora, já contei as inúmeras vezes em que Amorim queixou-se das mulheres. Passou tantas e tantas vicissitudes com elas que virou a "Enciclopédia". Sabe tudo, ou quase tudo, sobre a lida com este ser tão encantador e ao mesmo tempo tão perturbador e desconcertante que é a mulher. Sejamos francos: quase nenhum homem pode se jactar de tal feito. Não é o caso com Amorim. Ele gaba-se tanto e com tal firmeza que há que se dar ouvidos ao homem. Por isso Mota ficou de orelhas em pé quando lhe cochichei ao ouvido, me aproveitando da ida do Amorim ao toalete: -"Conte o caso ao Amorim que ele vai te dar a solução. É sopa. Galho fraco!"
Mota, então, passou a contar que já não agüentava mais as mulheres. Todas as que ele comia queriam compromisso sério. Sempre. Invariavelmente. Todas as vezes. Não havia exceção. Cansava-se de explicá-las que o homem saía à noite pelo prazer de sair, de estar com amigos e amigas, de jogar conversa fora. E que, se por acaso se interessasse por alguém, era caso sem importância, sem compromisso, sem perspectiva de envolvimento mais sério. Se houvesse sexo, este seria casual, sem qualquer outra conotação. Fim de conversa. Mas não adiantava. Estava perdendo todas as amigas. Tivera sexo com quase todas e era a mesma coisa. Distanciar-se era a única solução. Elas simplesmente não conseguiam, no dia seguinte, esquecer-se da noite anterior e levar a vida com a leveza dos que vivem com sabedoria e maturidade afetiva e sentimental. Assim, o problema do amigo foi exposto a um Amorim pensativo e visivelmente atento. Em nenhum momento esboçou reação que traísse seus mais íntimos pensamentos. Coçava suavemente o queixo imberbe e de quando em vez bolinava o lobo da orelha direita. Mota, que se sentava à beira da cadeira e gesticulava muito enquanto falava, indicou o fim da exposição do problema ao recostar-se no espaldar e repousar as mãos sobre os joelhos.
Eu, que sou ouvinte de problemas e soluções, respirei fundo e esfreguei as mãos, ansioso à fala de Amorim. Já ouvira em outras oportunidades suas lamúrias e lamentações, mas conhecia muito bem sua perspicácia e agudeza de espírito.
Ele foi direto ao ponto: -"Meu caro Mota, em primeiro lugar, a mulher é um ser cheio de culpa. Foi educada sob o peso da culpa. Já nasceu culpada. Suas mães aceitaram, não sei ainda se de bom ou mau grado, suas próprias culpas, e as passaram às suas filhas, estas que você comeu. O compromisso após o sexo as faz sentir livres da culpa. Ameniza, por assim dizer, o peso de sua culpa, se conseguir travar um 'compromisso' com você. Se você se recusa a assumir o compromisso, é imediatamente repudiado, excluído, execrado: você é um canalha, um pilantra. Mas, isso só é assim se você as come bem, gostoso. Se comê-las mal, não vão querer compromisso com você, meu chapa. Você será classificado como um péssimo fodedor, um cabra ruim de cama, e isso elas não perdoam. Até mesmo sua culpa desaparece se ela percebe que deu para um cara que é ruim de cama. Não conta em sua culpa. Nesse caso, elas continuarão suas amigas. Você não será mais pilantra, ou canalha, ou nada de ruim. Ruim mesmo só de cama. Nesse caso, o perigo que você corre é que ela espalhe que você tem esse defeito, e aí você não comerá mais ninguém, nem uma velha coroca."
Adiantou-se um pouco na beira do banco, olhou em volta como se estivesse checando a presença de alguém indesejável, e arrematou: -"Mas, se não quiser ser incomodado, meu chapa, vá por mim: coma a mulher tão mal que ela nunca mais vai te encher o saco! Pára de comer bem as 'mulé', meu irmão! Não a deixa gozar, não, seu besta!"
Por Fernando Cavalcanti, 20.10.2008
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