sexta-feira, 18 de abril de 2025

O AMORIM E O PALHARES

       Nelson Rodrigues escreveu inúmeras vezes em suas crônicas, e contos, e romances, e peças teatrais que, dentre as mulheres, só as neuróticas não gostam de apanhar. Em outras palavras, as normais gostam de levar umas boas bordoadas, segundo ele. O mesmo Nelson era considerado um sujeito dado à pornografia, ao erotismo, favorável ao sexo liberal. E por quê? Ora, porque seus temas eram o que acontecia de fato na sociedade. Os fatos do dia-a-dia eram relatados em suas peças, e romances, e contos. Na apresentação de suas peças a platéia delirava de indignação e apupos. E queriam linchá-lo. Só pensava em sexo, se julgava. E ele, aos brados e com as veias túrgidas no pescoço, gritava às platéias: -"Burros! Burros!" porque não entendiam bulhufas. Ou melhor: entendiam, sim. Mas a face da vergonha se cobria com a máscara de sua falsa moralidade. 

                Nelson Rodrigues expunha as entranhas da sociedade, de suas famílias, de seus mais recônditos e perversos segredos. Sua arte era uma denúncia, uma indignação, essa sim. Aqueles que o vaiavam eram os hipócritas, os atores reais da vida real a protagonizar a arte que ele mostrava e criava. Em verdade, nada criava. Abria-lhes a podridão encoberta. Por isso muitos o detestavam. As pessoas eram e se comportavam exatamente da forma como ele mostrava. E sabem o que acontece com quem lê Nelson Rodrigues? Gargalhadas. Sim, ri-se a não mais poder. E quando rimos, percebemos que estamos rindo de nós mesmos. Percebemos como somos patéticos. Isso entre os normais, que gostam de apanhar. Entretanto, sempre haverá os hipócritas, os que se melindram, os arautos da "moralidade" e dos "bons" costumes a condenar sua própria exposição e desmascaramento. Repudiam sua obra porque ela lhes deixa nus. Rangem os dentes porque a arte está a lhes indiciar.

                Nelson Rodrigues era católico, conservador, abstêmio, sensível e genial. Algo mórbido, é verdade, porquanto acreditava na beleza do amor que se suicida por se saber inviável. Sabia transformar o mundo real em arte. Os hipócritas e neuróticos pensavam que ele queria transformar nosso "puro" mundo na pornografia que escrevia. Em suma: Nelson demonstra com sua infindável e imorredoura obra que nossa sociedade vive, sim, uma vida pornográfica.  Às vezes em preto e branco, às vezes colorida. Mas uma pornografia. Um grande filme de sacanagem em que muitas vezes o ator mata a atriz em nome do amor. Um filme em que a atriz não pára de gozar, mas se finge de comedida e prendada quando sai às compras. Um filme em que o ator é um canalha irreparável, como o Palhares, que não respeitava nem as cunhadas.

                Garanto-lhes: Amorim não lhe chega aos pés. Nem Fernando Cavalcanti aos de Nelson Rodrigues. Já os leitores...

 

Por Fernando Cavalcanti, 23.10.2008

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