Amorim já era homem maduro, quase podre, quando casou. Em que pese o fato de as tradições que envolvem o matrimônio estarem fora de moda, Amorim casou nos conformes. Em festa entre amigos pediu a mão da noiva a seus pais. E fez discurso. Ao final, os aplausos da platéia extasiada de tantas revelações de amor e promessas levianas. Os pais, sem outra alternativa, concederam o objeto do pedido: a mão da filha, acompanhada de todo o resto. E a festa seguiu regada a vinhos e acepipes, e música animada.
Cumprido o tempo do noivado, dentro dos conformes, casaram Amorim e sua noiva. A festa foi nababesca. A noiva chegou em carro conversível vestida em vermelho-sangue. Se não me trai a memória, Amorim usava um bem talhado fraque branco. Lembrava um lord inglês. E os convidados, por exigência expressa da noiva, vestiam-se de roupas brancas. Presumi que a noiva havia de querer ser eternamente apaixonada e ter seu lar imerso na paz dos que bem convivem. As cores tudo dizem e exprimem, quero crer. E bebeu-se e comeu-se à vontade. Uma juíza de direito em toga formalizou o contrato nupcial: Amorim estava desde ali em diante obrigado a comer somente a mulher.
Amorim é homem maduro, repito. Vive a trabalhar, não é chegado a folguedos e patuscadas, e costuma recolher-se cedo. Está mais para sedentário que para nômade. Prefere estar em sua cidade a ter que enfrentar filas em aeroportos. Em suma: gosta de sossego, ao contrário da mulher e sua família, que adoram subir num avião com data certa e retornar só Deus sabe quando. A mulher viaja a negócios também e, aqui entre nós, confessou-me que morre de saudades em sua ausência. Concluiu que estas saudades atestam do amor que por ela nutre. E confessou-me mais meia dúzia de verdades contundentes a respeito deste sentimento tão profundo e visceral. Confesso que reprimi uma lágrima diante de tão autêntica exposição.
Ocorre que de uns tempos para cá, Amorim tem sido intimado a fazer várias viagens a passeio com a mulher e seus familiares. E já diz que não é dono de si nem de sua vontade. Quando consulta a agenda, antes consulta a sogra. Quer saber dela em que dias estará disponível para ir ao escritório. Há uma semana o encontrei e, de bom humor, anunciou que estavam "tramando" uma viagem à Itália para o fim do mês. Irão ele, a mulher, os sogros, os cunhados e cunhadas, os sobrinhos apensos, os concunhados e talvez um gato ou um cachorro de alguém. Confessou-me também sofrer muito nessas viagens por questões culinárias. Certa vez, em Buenos Aires, foi obrigado a comprar, não se sabe onde na capital argentina, uma ou duas dúzias de bananas, tamanha era sua vontade de lembrar-se da cozinha brasileira. É no mínimo inusitado o problema conjugal do Amorim.
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