segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Clodoaldo's Inn em Sobral

Há muito não via o querido amigo Olimar, Casoba. Foi ele quem disse, numa dessas constatações irretocáveis, que a diáspora sobralense só é menor do que a dos judeus. Numa dessas coincidências que o destino trama, encontrei-o na manhã da última sexta no hospital poucos instantes antes de eu embarcar para a Princesa do Norte. E – olha bem, Casoba – fazia um monte de tempo que eu não via o Olimar. Como é possível que justamente naquele dia eu o encontrasse? Levei comigo, após um esfuziante cumprimento de parte a parte, um abraço do amigo à sua amada cidade. Prometemos um ao outro trocar, doravante, figurinhas literárias.
Como disse antes em correspondência anterior, fui a Sobral a negócios. Diz um velho ditado que não se deve mostrar o fundo da alma nem o fundo do bolso, ao que acrescentaria que não se deve também detalhar nada dos acordos, sob pena de se ferir de morte ao que reza um outro adágio quando diz que o segredo é a alma do negócio. Posso, entretanto, dissertar sobre outras amenidades e coincidências, umas felizes, como o encontro com meu amigo, outras nem tanto, como verás a seguir.
Para minha sorte chovia em Sobral. Sabias, Casoba, que também chove em Sobral? Não é apenas aquela canícula insuportável a pairar no ar. Vez ou outra vem a chuva e com ela a amenização daquela. Ainda bem, já que o excesso de calor deixa-nos irritadiços e impacientes, o que não vem bem aos negócios, sejam eles quais forem. Pois eu diria que esta foi outra feliz coincidência, se me perdoarem a ignorância dos dados e fenômenos do tempo que predispõem àquelas precipitações. Num lugar em que parece imperar absoluto o disco solar implacável, a chuva vem como uma benção ou uma feliz coincidência.
Os negócios não foram tão bem quanto desejávamos, mas nada que não se resolva com alguns pequenos ajustes e algumas conversas telefônicas ou internéticas. Não foi qualquer outra coincidência a responsável por tal desfecho. A verdade é que faltou profissionalismo de uma das partes. A boa vontade é a mãe da paciência, de modo que com aquela se consegue esta, e com esta o sucesso nas negociações.
Tu, que gostas em demasia do futebol e de suas crônicas, já deves estar a pensar que lá fui parar justamente no fim de semana em que o Ceará foi jogar com o Guarani (ou será Guarany?). Pois é verdade. Eu lá estava. E antes não estivesse, devo confessar. Não invoco aqui o meu desapreço por futebol, que esse é bem conhecido de todos. Há, aliás, os que dizem não acreditar que isso seja verdade, já que falo tanto de e em futebol. Explico: não gosto de futebol, mas adoro suas crônicas. Sou, portanto, cinqüenta por cento semelhante a ti. Não tentarei explicar como seja isso possível, e já antevejo argumentos aparentemente incompreensíveis e irreconciliáveis. Peço apenas àqueles que duvidam que acreditem em mim: detesto futebol.
Tentarei explicar, isso sim, como uma outra coincidência durante esta viagem me foi feliz por um lado e infeliz por outro. Ora, o lado feliz de tal fortuidade é a possibilidade de doravante todos acreditarem em mim quando digo que detesto futebol, ao passo que o viés infeliz foi o acontecimento em si. Devo dizer que preferiria continuar desacreditado a ter passado pelo que passei. Aconteceu precisamente o seguinte, Casoba.
Estava hospedado no hotel do padre. (Presumo que saibas de quem falo. O homem é sobejamente conhecido.) É um imóvel agradável e simpático, com aposentos amplos e confortáveis. Oferece um delicioso e bem servido desjejum. Passamos o dia fora, em atividades de trabalho. Um amigo, que retornou ao hotel mais cedo, bateu o telefone e deu a notícia: o time do Ceará havia chegado e se hospedado no hotel, e seu restaurante, dali em diante e até depois da partida com o time da casa, estava reservado ao almoço e jantar exclusivamente para o escrete e sua comissão técnica.
Incrédulo, voltei à estalagem. Guardava em meu íntimo a esperança de ser uma brincadeira do amigo. Chegamos, pagamos o táxi e adentramos. O que vi, Casoba? Digo o que vi: na recepção, logo à entrada, estava sentado ao sofá, com as pernas esticadas sobre uma mesa de centro, o Clodoaldo. Uma senhora ou senhorita feíssima alisava-lhe os crespos cabelos e uma outra, de cabelos aloirados à moda artificial, observava a ambos como se a boca se lhe enchesse d’água. (O Clodoaldo, tu bem o sabes, é aquele com nariz de pau d'água.) Contive a custo uma gargalhada, e segui adiante. À porta do elevador, na sala contígua à primeira, estava estampado o anúncio da interdição do restaurante.
Vês agora por que detesto futebol? O futebol extravasa do campo, dos estádios, das sedes dos clubes e invade as ruas, as lojas, as casas, os restaurantes e, como pude constatar por experiência própria, os hotéis. Meu medo é chegar à casa e encontrar o maior pagode com o Ronaldinho carioca deitado em minha cama na companhia de algum homem vestido de mulher. O futebol tem essa capacidade de impor o desrespeito, a falta de consideração e - quem sabe? - futuramente a ameaça à propriedade privada. Não vai faltar mais nada em nome do futebol, Casoba.

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