É muito intrigante essa história de o fortalezense não sair em dias ou noites de chuva.
Hoje, por exemplo, desci ao calçadão às cinco da tarde com o tempo fechado e nublado. Choveu a maior parte do dia e, ao final, a chuva deixou as ruas, calçadas e asfalto densamente úmidos. Os ventos se aquietaram e o mar ficou com a superfície lisa e calma. A maré estava baixa e tudo tinha um aspecto bucólico. Quase nenhuma carrocinha de vendedores de água de côco havia. Poucas pessoas se “arriscaram” à corrida ou à caminhada. Mesmo o trânsito de carros à beira-mar diminuiu.
O tempo era fechado, mas as nuvens eram altas, pouco densas, dando ao céu um aspecto rendado em diferentes matizes do branco das nuvens. Nem ao longe, a leste, de onde vem nossa chuva, havia indícios de novas precipitações, uma neblina que fosse.
À medida que caía a noite o céu escurecia sem os pontos luminosos das estrelas e da lua crescente. De fato esta apareceu fosca e com a imagem borrada pelas nuvens que a cobriam. Os termômetros das calçadas marcavam vinte e sete graus. O Boteco Praia, quase sempre bem freqüentado, estava quase vazio. Nas avenidas de cima, onde o rush já devia ter começado, o trânsito também fluía suave, como se muitos motoristas não tivessem ido ao trabalho.
Não é de agora que preferimos o lar a qualquer outra coisa em dias chuvosos. Dizem por aí que o cearense é feito de sal: - se molhar dissolve. Em quatro de maio de 1976 eu fazia quinze anos. Era no tempo das tertúlias. Luz negra alugada e instalada, radiola tocando o Billy Paul, eu esperava meus convidados. Eis que repentinamente fecha o tempo e cai um toró daqueles. Bem comparando, um toró igual sem tirar nem pôr àquele de alguns dias atrás. A festa seria em minha casa, tudo coberto e fechado. Resultado: - ninguém apareceu. Naquele tempo aos quinze ainda éramos crianças, e criança chora. Conclusão: - abri o berro, escondido dos dois ou três gatos pingados que apareceram, é claro.
Pensei em várias explicações para nossa aparente aversão ao divertimento com chuva. Naquele tempo não havia essas catástrofes das enchentes por aqui, nem o trânsito caótico às chuvas, nem os buracos das avenidas e ruas transformadas em verdadeiros e caudalosos rios, de modo que nada disso pode justificar minha festa frustrada. Continuei pensando e me perguntando: que diacho passa na cabeça desse povo que, quando começa a chuva, corre para casa?
Às mulheres podemos até fazer algumas suposições óbvias. Há o cabelo, a maquiagem, o salto alto, o vestido. Uma mulher produzida viraria um amontoado de tintas e fiapos após um banho de chuva por poucos segundos ou minutos que fosse. Compreende-se. Mas, e o homem? Por que também o homem cearense tem pavor a ser pego de surpresa por uma chuva? Poderíamos supor que indo embora a mulher, vai também o homem. Também podemos supor que a “tradição” está tão arraigada que, se a chuva começa e é sexta-feira, ninguém sai de casa supondo que ninguém sai de casa. Se ninguém sai de casa em noite de chuva, que vou fazer sozinho na rua?
Outra possível explicação para tão interessante costume é a nossa relativa escassez de chuva, por paradoxal que possa parecer. Assim, os bares e restaurantes não investem em áreas fechadas que possam oferecer conforto a seus clientes caso chova. Sabe-se por aqui que, se sair na chuva, não terá aonde ir que se ofereça um mínimo de estrutura para receber as pessoas. Sendo assim, fica-se em casa.
Há ainda uma explicação mais provinciana. As chuvas, no momento em que estão caindo, amenizam o calor e muitos cearenses até sentem frio. Tem coisa melhor do que se recolher ao leito e ficar sob as cobertas enquanto o barulho da chuva acalenta nosso descanso? É melhor aproveitar porque não se sabe quando vai chover novamente.
Fernando Cavalcanti, 15.02.2011
Adoro o aconchego das cobertas em dias de chuva. Especialmente, se não for necessário levantar para trabalhar ou qualquer outro compromisso.
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