Não tinha boa reputação entre as mulheres. Diziam todas que era um mulherento, um casanova. Uma de suas pequenas teria dito, certa vez, numa discussão entre outras possíveis vítimas: -“Não respeita nem vaca atolada”!
Um dia conheceu Rosane e se apaixonou. Sem outra saída, casou. Foi um alívio para a família dele, e uma preocupação para a dela. Ainda assim tinham esperanças de que se aquietasse.
O trabalho o absorvia em demasia. Não sobrava tempo para muita coisa. Mesmo assim pulava a cerca vez ou outra. Coisa sem importância, casos de uma noite, nada mais. Entre os amigos desabafava e contava sobre seus rabos de saia, de modo que sua fama continuava, ainda que de forma mais discreta.
Ao longo dos anos a mulher foi vendo os indícios que apontavam as safadezas do marido. Certa vez ligou para o escritório em pleno horário de trabalho e ele não estava. Ninguém soube dizer para onde fora. Ela descobriu depois que ele tinha estado com uma dona. Soube do endereço e tudo mais.
De outra vez, à guisa de esticar o serviço em serão, foi flagrado em óbvia mentira. A mulher o seguiu e viu tudinho. Pela manhã ia entrando em casa quando ela indagou do trabalho; respondeu: -“Puxado, minha filha, puxado...” Ela nem vacilou: -“Deixa de mentira, cabra safado, que eu te vi assim, assim...”!
Mesmo ciente de tudo, a mulher procurava fazer vista grossa. Afinal, havia certa discrição da parte dele. Já não era tão descarado quanto antes, quando eram noivos. Ela julgava que, assim, não era negócio fazer escândalo, que só contribuiria para os mais diversos comentários. Além do mais, quem mais queria saber das estripulias do Amorim? Pau que nasce torto morre torto, diziam. O escândalo só serviria a pôr lenha na fogueira.
***
Liminha era um sujeito baixinho, menor, inclusive, do que a própria mulher. Com efeito, a mulher do Liminha era uma senhora alta e corpulenta. Ele, mofino e franzino, quase desaparecia sob a axila da mulher. Dir-se-ia haver uma desproporção total.
Contudo, enquanto a mulher era delicada no falar e nos modos, Liminha não era de levar desaforo para casa. A vida toda fora objeto de gozação dos outros, e muito cedo aprendera a dar o troco em quem se metesse a besta. Não direi que era rude, mas se lhe tirassem do sério a coisa ficava preta. Conta-se que, uma vez, botou um sujeito para fora do escritório a bolachas e tabefes só porque estava bêbado e fora grosseiro com uma das secretárias. Não seria o fato inusitado se o indivíduo não fosse um homenzarrão de proporções descomunais. Liminha saiu cobrindo o sujeito de tapas até a rua. Não se sabe até hoje como o homúnculo foi capaz de uma proeza daquelas. Fora isso era um sujeito boa praça, prestativo e amoroso.
O diabo é que Liminha adquirira um péssimo hábito. Mesmo a mulher não conseguira, após inúmeras admoestações, fazê-lo perder aquele tão inconveniente costume. Ele, a princípio querendo agradar amigos e conhecidos de quem gostava, e depois estendendo a todos os homens que cumprimentava, saudava o povo assim: -“Fala, comelão!” E onde quer que estivesse só se ouvia o Liminha: -“Fala, comelão!” Mesmo se o sujeito não fosse lá muito homem, o Liminha bradava: -“Fala, comelão!”
***
Iam entrando no clube, Amorim e a mulher, para a festa de fim de ano do pessoal do escritório. Gente a dar no tornozelo, abraços aqui e ali, eis que dão de cara com o Liminha e sua enorme esposa. Vendo chegar o Amorim e já sob o efeito de uns tragos, gritou a plenos pulmões: -“Fala, comelão!”
Em casa, mais tarde, Rosane quis saber que história era aquela de “comelão”. O pior é que naquela noite Liminha reservou o embaraçoso cumprimento ao Amorim somente. Foi a noite inteira, cumprimentando o pobre Amorim, para cima e para baixo: -“Fala, comelão!”
Nenhum comentário:
Postar um comentário