sexta-feira, 24 de junho de 2011

De flozô nas redes sociais

Sempre me impressionaram as figuras espectrais e ao mesmo tempo densas na presença. Mais recentemente passou a me impressionar a vida virtual. Vejam bem. Não falo da facilidade das comunicações advinda do uso da rede mundial de computadores. Lembro do início de seu uso, creio que em meados dos anos 90, quando levou-me a sua casa o meu amigo Casoba e navegou ali, na tela do computador, por uns poucos minutos para eu ver como a coisa funcionava. Confesso não ter me impressionado tanto quanto agora, ainda que tenha me sentido démodé quanto a alguma coisa.
            Isso só me leva a pensar o seguinte: - a rede mundial de computadores mudou a maneira como as pessoas se relacionam e a maneira como moram. Ao início ela era usada preferencialmente e basicamente para se obter informação de forma rápida e barata. Hoje ela é usada como um verdadeiro lar aberto para o mundo, uma casa com quarto, sala, cozinha e banheiro. Explico. Hoje o sujeito dorme, acorda, escova os dentes, almoça e janta nas redes sociais da rede mundial de computadores. Explico novamente. O sujeito passa o dia com o computador pessoal, que pode ser um telefone que funcione como computador, ligado à sua frente. Onde quer que esteja, o que quer que esteja a fazer, estará lá, ligado à rede social, dando conta de sua vida ao mundo. Diria minha avó que aquela seria uma casa com a “porta da feira” aberta.
            Outro dia uma amiga escreveu numa dessas redes sociais, já tarde da noite: “estou indo dormir”, e os que estavam conectados quase foram cobertos por seu edredom. Uma outra anunciou na rede, a mesma rede: “estou há três dias numa gripe tremenda!” Os que estavam conectados desligaram suas máquinas de imediato temendo a contagiosidade da virose da outra.
            Ontem, ao encontrar amigos e amigas, uma delas me indagou o porquê de minha ausência em certo sarau ocorrido dias antes em determinado restaurante. Respondi-lhe, numa ingenuidade imprópria para minha idade, que minha ausência se deveu única e exclusivamente ao meu desconhecimento do evento. Todos se mostraram abismados, já que o anúncio fora feito na rede social. Conclui-se que nem mesmo o correio eletrônico é mais usado como forma de comunicação. Quem quiser se atualizar e se comunicar mais modernamente deve participar ativamente e diariamente das redes sociais. Fora delas o indivíduo não é mais que uma pedra a jazer à beira da estrada.
            Tenho amigos que são médicos e, nos raros momentos em que a rede social entra em meu computador pessoal – é a rede que nele entra, e não o contrário –, lá estão eles. Seja a que hora for, eles estão sempre lá. Como alguns são cirurgiões, presumo que estejam a operar seus pacientes ao mesmo tempo em que estão conectados à rede social. Se estiverem no consultório acredito que nem olham para as fuças de seus pacientes, já que estão papeando na rede social. E assim, outros amigos e amigas, das mais diversas e ecléticas atividades laborativas, todos passam o dia de flozô nas redes sociais.
            Há mais e, repito, há mais. Os frenéticos participantes das redes sociais não se contentaram em apenas sepultar o correio eletrônico como forma de comunicação. Encontraram nelas, também, a forma perfeita de expor seus méritos, seus amores, suas realizações, seus familiares, sua vida, enfim, tudo o que estão a fazer e sentir. Há, nas redes sociais, toda uma psicologia, toda uma temática psicossocial, um verdadeiro laboratório para estudo do comportamento humano em seus mais diversos matizes e nuances. Nas redes sociais há o lar e a rua de cada um; há nelas implícita e explícita a necessidade de ser visto, de participar, de se autopropagandear.
            Assim, sinto-me quase fora da vida quando encontro os amigos que são ferrenhos participantes das redes sociais. Sinto a mesma sensação de que algo em mim é démodé, como quando vi pela primeira vez o Casoba navegar na rede mundial de computadores. Lá, há mais de quinze anos, sentia algo passageiro, quase uma sombra que eu sabia se desfaria em breve.
Agora, contudo, me paira a sombra do intransponível. Vai-me mais bela a vida com o mistério de si mesmo, sem as exposições desnecessárias e banais, sem os diálogos sumários que não se aprofundam, sem os amores virtuais que me levam à solidão do não-ser; vai-me melhor o olho no olho e os sorrisos francos que não disfarçam os esgares mínimos do contato direto e pessoal. Como disse o Pessoa, “morrer é apenas não ser visto”. Estariam mortos os meus amigos das redes sociais? Alguns talvez, outros nem tanto.
Se aceitá-las tão alastradamente temo necessitar, doravante, de meu notebook para amar. 

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