domingo, 19 de junho de 2011

Motociclistas e motoqueiros


Escreveu-me o querido amigo Roberto Jorge, numa genuína exortação: “Cuidado com o trânsito!” Referia-se ao perigo de se andar sobre uma motocicleta.
            De fato há, na motocicleta, perigos e perigos, e o maior deles reside justamente em quem a pilota. Direi de outra forma. Há motociclistas e há motoqueiros. Ainda que sejam sinônimos no Aulete, estão longe de o serem de fato, na vida real e ainda mais nas ruas de nossa capital. Direi mais: nas ruas, avenidas e estradas desses mais de cento e quarenta e seis mil quilômetros quadrados há uma diferença diametral entre uns e outros.
            Quem quiser confirmar o que digo que dê uma passadinha rápida ali no Instituto Dr. José Frota (LJF). Lá encontrará o visitante a maior população de acidentados de motocicletas do mundo. (Será que estou a exagerar?) Levemos o discurso para a idéia matemática de proporcionalidade. Se não for a maior em termos absolutos, o será em termos relativos ou proporcionais.
            Razões para isso temos de sobra, incluídas as relacionadas com a conivência do poder público. Não há postos do departamento de trânsito em mais de noventa por cento dos municípios cearenses. Não há fiscalização. Segundo o jornalista Fábio Campos, tudo isso vem a reboque do que ele denominou de “pobrismo” e “coitadismo”.  Expliquemos.
            Segundo o jornalista, políticos influentes do executivo têm “pregado” que o sujeito, sendo pobre e coitado e não podendo cumprir a lei – dirigir ou pilotar com habilitação e usar um capacete e outros itens de segurança – , deve ficar “isento” de cumpri-la. A lei obriga a todos os cidadãos estarem habilitados para dirigir e, no caso dos motociclistas, usarem capacete ao pilotar uma motocicleta. Em suma: rasgaram a constituição os nossos políticos populistas. Para eles, nem todos são iguais perante a lei. Há casos “especiais”: os dos pobres e dos coitados. Pregam a “vista grossa” para eles.
            Por outro lado, e se não bastasse a vista grossa, é conhecida no país a leniência e brandura das leis para os criminosos do trânsito. Os legisladores, não se sabe por que, não estão nem um pouco preocupados em mudar esse estado de coisas. Veio a lei seca, aumentando a multa para os que dirigem alcoolizados. Logo após a sua promulgação as blitze abundavam. Passado algum tempo, sumiram. Conclui-se que, sendo a lei muito dura e sendo o brasileiro muito pobre, todos foram taxados de coitados, e não se deveria fiscalizar. Seguimos, assim, a cultivar nossa vocação para a incivilidade. Continuamos a ver os assassinos do trânsito sair impunes como a criança que quebrou o abajur da sala.
            A Revista Central, que veicula notícias de nosso sertão central traz, neste domingo, as seguintes manchetes, apenas para constatar o que digo:
            “Motorista atropela motociclista em Pedra Branca” (http://www.revistacentral.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2422:caminhaoatropelamotociclistaempedrabranca&catid=138:policia&Itemid=516) O motociclista, no caso o motoqueiro, estava alcoolizado ao momento do “acidente”.
  “Acidentes de trânsito no Sertão Central matam dois motociclistas” (http://www.revistacentral.com.br/index.phpoption=com_content&view=article&id=2426:acidentesdetransitonosertaocentralmatamdoismotociclistas&catid=137:policia&Itemid=51) Em um dos sinistros o motoqueiro estava na contramão quando foi colhido e, no outro, a motocicleta não tinha placa.
            As medidas do governo do estado que interessam o Sertão Central no que tange ao trânsito foram anunciadas na matéria “Detran e PRE realizam ‘operação capacete’ em Solonópole” (http://www.revistacentral.com.br/index.phpoption=com_content&view=article&id=2417:detraneprerealizamoperacaocapaceteemsolonopole&catid=121:outrascidades&Itemid=499) Na “operação” apreenderam doze motocicletas e as recolheram para a regional do Detran de Morada Nova. Os proprietários têm 48 horas para retirá-las ao pagar uma multa de R$ 173. Ao que conste ninguém foi preso na incrível operação.
            Bem se vê que a atuação do executivo limita-se a manter dez postos do órgão para cobrir 184 municípios e a fazer “operações” pontuais. Visitando-se o IJF descobrir-se-á a completa ineficácia dessas atividades e seu pífio resultado.
            No IJF há quase tão-somente motoqueiros, gente que não tem amor à vida, nem à sua nem à do outro, porquanto pilotam embriagados, sem capacete e muitas vezes sem habilitação. Não fossem apenas essas tais constatações irrefutáveis, já que o que está no hospital é perfeitamente contável e mensurável, basta ir às ruas da capital para observar a maneira irresponsável e reprovável com que os esses motoqueiros pilotam suas motocicletas. Não respeitam semáforos; “costuram” entre filas de carros como um enxame de abelhas malucas; ultrapassam pela direita; permanecem em pontos cegos dos carros que lhes estão próximos; pilotam em alta velocidade em ruas e avenidas esburacadas; enfim, comportam-se como se inatingíveis fossem e como se, por serem mais fracos ante os veículos de maior porte, tivessem sempre a razão e o julgamento a seu favor. Esperam, em caso de “acidente”, serem tratados como “coitados” e “pobres”. No interior? Mostrei acima apenas as notícias de hoje do Sertão Central. Estou aqui a imaginar o que ocorreu no resto do estado.
            Ao meu amado amigo digo que me comporto como um bom motociclista. Tenho sempre em mente um princípio: jamais cometer um erro por menor que seja, tanto quanto mais consciente for. Negociar e transigir com o erro é abrir-lhe a porta à sua banalização e minimização, e daí à sua repetição é um pulo. Todo mau hábito tem o seu pulo inicial. Essa é a razão para não me permitir a ele.

Um comentário:

  1. Por precaução, tenho martelado o Leonardo, para desistir da fixação por motos. Não quero ser viúva, sem ao menos ter casado. (comprovar judicialmente união estável, para requerer pensão por morte??? not!)

    ResponderExcluir

O NARCISO DO MEIRELES

Moravam numa bela casa no Parque Manibura.  Ela implicava com ele quase que diariamente. Era da velha guarda, do tempo em que o homem saía c...