segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Fazendo amor sem os números

Parece-me que não conhecem o Saldanha. Pois lhes apresento o Saldanha. E por que lhes apresento o Saldanha? Simples – o homem é digno de elogios por, a meu ver, ter derribado um Nobel da matemática.
            Vejam o que é dito, em resumo, sobre o objeto de estudo da teoria dos jogos, desenvolvida pelo matemático norte-americano John Forbes Nash Jr.: “ela estuda decisões que são tomadas em um ambiente onde vários jogadores interagem.” Em outras palavras, “a teoria dos jogos estuda as escolhas de comportamentos ótimos quando o custo e benefício de cada opção não são fixos, mas dependem, sobretudo, das escolhas dos outros indivíduos.” Digamos ainda que “os resultados da teoria dos jogos podem ser aplicados a aspectos significativos da vida em sociedade como também a simples jogos de entretenimento”.
É justamente em simples jogo da vida social que o Saldanha põe em xeque a teoria dos jogos de John Nash. A teoria afirma que um dado jogador nada ganha em vantagem sobre os outros mudando sua estratégia se aqueles também não mudarem as suas. É o chamado Equilíbrio de Nash.  Não entremos nos meandros do assunto que ele envolve cálculos por demais complicados para minha ignorância matemática. A nós basta nos debruçarmos sobre esta fatal conclusão da teoria.
            Todos sabemos que, entre um homem e uma mulher, é comum que se jogue o jogo do amor, da conquista, do caçador – o homem – em busca de sua presa, a mulher. É uma peleja deveras conhecida desde que o mundo é mundo. Alguns dirão – os praticantes contumazes da chatice pela chatice – que nem tanto, nem tanto, e direi que, sim, devagar e sempre estarão o homem e a mulher envoltos no tabuleiro da vida a se pegar em vetores cada vez mais e mais intensos, multidirecionais e em infinitos sentidos. É um jogo de forças a princípio antagônicas, cujo propósito é valorizar o próprio jogo e valor da presa. Em seguida as forças se somam ou se multiplicam, a depender da interação inicial, para depois, muitas vezes, aniquilarem-se ou anularem-se num epílogo triste e melancólico, quando não se catalisa o excesso de energia dos múltiplos embates entre elas.
            Assim, todos, algum dia, já se viram envolvidos e envoltos no jogo do amor. Ele existe para atender a Força Natural maior que ordena “crescei e multiplicai-vos!”, ou, para os que não crêem, atender ao que Schopenhauer chamou de “vontade de vida” da espécie, onde se aniquilam um a um os indivíduos mas não ela.
            E o que faz o Saldanha, o amigo que acabaram de conhecer? Em absoluto direi que pretende revogar os ditames divinos e/ou os do filósofo. Ao contrário, o homem é dos maiores e mais competentes elementos a obedecer aos tais ditames. Joga o jogo do amor como jamais vira alguém jogar. A bem da verdade verdadeira, para que não saiam a dizer que estou a propagar lorotas e simulações, o Saldanha não dá a menor chance às suas presas, e é exatamente aqui onde o homem desequilibra o que a matemática pretendeu julgar equilibrado. Se não me entendem, explico, até porque, se não o fizer bem rápido, perco o fio da meada e também o leitor.
            Estávamos em sarau em casa de amigos e eis que aparecem novas pessoas, mulheres desconhecidas a despertar o interesse de meu dileto e novo comparsa. Era de se esperar um mínimo de comedimento, no meu entender, justamente para fazer da caça um jogo mais prazeroso e sensual. Há um aforismo que reza que se deve ter prazer na viagem e não ao destino. Seria uma analogia que viria bem a calhar à caçada. Mas, não, não foi o que fez o amigo. O relógio do Saldanha só lhe serve de adereço e nada mais. Ou ainda, lhe serve a tocar a coisa a toda velocidade para que não se vá o tempo e ele saia de mãos abanando.
            Resumamos. Dali a pouco vou ao toalete. Não foi coisa de cinco minutos. Quando volto, o que vejo? O Saldanha, que estava a dançar com a pequena por alguns minutos antes de minha urgência miccional, estava agora a beijá-la um desses beijos em que a língua de um desce ao esôfago do outro. E pareciam, ambos abraçados, a um polvo gigante repleto de tentáculos e ventosas. Esse foi o primeiro fato.
            Passaram-se uns dias e saímos novamente a outra dessas tertúlias entre amigos. Devo tergiversar? Não o farei. Direi apenas que, tão rápido como o raio, Saldanha em pouco tempo sentou-se ao lado da anfitriã e já lhe tinha entre as mãos as dela, num descarado flerte sem estratégias prévias. Desta feita o homem não teve a petulância de beijar a presa, mas a coisa já ia encaminhada. A frustração aconteceu quando a mãe da jovem mandou comunicar que iria se recolher e que esperava que todos fizessem o mesmo.
            Vejam que em ambos os casos o Saldanha não traçou estratégia alguma. As presas, surpreendidas pela celeridade da ação desse macho implacável, certamente não as traçaram também para si. O resultado foi uma teoria dos jogos elaborada em Princeton lançada ao lixo nas madrugadas fortalezenses por duas vezes em bem pouco espaço de tempo. Não dá mais pra confiar nem mesmo na ciência...

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