segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Tudo entre aspas

          Quem escreve, dependendo do que escreve, expõe as vísceras e a alma na praça. E ainda que escreva um conto relatando fato real, estará sujeito a interpretação equivocada de algumas mentes impertinentes. Se o conto, nos acasos dos fatos corriqueiros, der o "azar" de relatar caso em que certo espécime do gênero feminino não se vai bem, as toscas mentes estarão à espreita para clamar por "justiça". Reclamarão uma retratação imediata do autor que, em sua míope opinião, demonstrou um indisfarçado chauvinismo.
           O conto é uma historieta, uma curta novela de pouquíssimos personagens. A menos que gerada inteiramente na mente do autor, são fatos da escala verídica. Direi até que nada há na mente humana que não se baseie em fatos. Mesmo o Júlio Verne, o precursor da ficção, descreveu fatos inverossímeis à sua época e que depois se mostraram possíveis. Fiquemos, não obstante, com o contista que relata fatos do passado, recente ou  remoto. Os fatos são fatos; ocorreram no teatro da realidade. Além do autor do conto, outras pessoas hão de tê-lo presenciado. 
           Paremos um minuto para dizer que, de fato, o autor do conto não é o escritor que o deita à pena – o autor do conto é a vida. Ainda que o literato ornamente a história, ainda que a ela empreste o folclore que julgue necessário a fim de torná-la cômica ou pitoresca, ela aconteceu sem sombra de dúvidas. 
          Ora, se o ocorrido ocorreu, é o desfecho desfavorável a este ou aquele personagem obra do autor? Óbvio que não. Somente os apaixonados seriam capazes de o atribuir. Os apaixonados pensam que tudo podem, que tudo vêem. Imputam-se a si mesmos qualidades fantásticas e excepcionais. Vêem-se como detentores de poderes sobrenaturais e – o que é pior – tomam por inferiores a si todos os outros. A lente através da qual vêem o mundo é o que os torna assim.
           O apaixonado tem sua própria química. Seu sangue está abarrotado de substâncias obnubilantes e, portanto, cegantes. Entrar a com ele arrazoar não vinga. Posto que a razão lhe esteja embotada, acredita apenas no objeto de sua paixão. Deplora e amaldiçoa tudo o mais e principalmente aquilo que lhe pareça ameaçar esse objeto.  Dou exemplo.
          Outro dia enviei a uma "amiga" análise abalizada feita por experiente economista sobre o embuste que é a história de o Brasil ter se tornado a sexta maior economia do mundo, tendo passado a Inglaterra. Abster-me-ei de entrar nos meandros daquela análise, mas a conclusão a que se chega ao encerrar sua leitura é a que já mencionei – o Brasil sexta maior economia do mundo é um embuste. 
          O resultado foi o seguinte. Como a jovem, pelo pouco que conheço, engrossa a fileira dos apaixonados pelo governo de "esquerda" que ora (des)governa o país, respondeu-me numa descortesia imensa. Apelou para argumentos que, de fato, nada tinham a ver com o assunto do artigo enviado. E queixou-se de eu lhe "encher" a paciência com o envio de artigos de meu blog. Bem explicado está.
          Ao final de tudo concluí o que a simplicidade dos acontecimentos aponta: nem a amiga é amiga, nem de esquerda é o governo. Em que pese fatos recentes já por mim relatados evidenciarem claramente que é normal e por vezes amiúde que nos desentendamos com quem amamos, a "amiga" em questão não é, na verdade, amiga. Seria uma "conhecida virtual" a quem a modernidade das redes sociais nos leva a classificar como "amiga". Um amigo de fato e de direito teria, no máximo, feito um comentário qualquer sobre o artigo do imparcial economista ou, de outra forma, nada teria a comentar. Ainda que apaixonado pelo vermelho enodoado que ora tinge as cores da bandeira brasileira, teria, por amor ao amigo, sido polido ou sagaz em sua resposta. A jovem senhora, que nem conheço pessoalmente e que iniciou sua resposta dizendo-se fleumática mas já perdendo as estribeiras, demonstrou sem culpa a verdade – não somos amigos. E não somos mesmo.
          Mas há pior nessa história. Essa jovem senhora escreve para jornal local e, ao que me consta, é dada ao estudo e ensino, em universidade, da filosofia e da ética. Ora, bem se vê que ela carrega em suas palavras sua feroz e desmedida ética. Por que digo isso? Tive, noutra ocasião, a oportunidade de "ver" os modos dessa jovem senhora em argumentação com uma pobre mulher que se meteu a escrever na rede social o que ela detestou. Então, fácil é demonstrar sua reincidente ferocidade que a mim só evidencia ranço contra algo ou alguém, uma mágoa ainda sangrante e, talvez, frustrações mil. 
          Nada disso surpreende. O país está imerso em paixões. Os apaixonados governam, os apaixonados são governados; os apaixonados escrevem em jornais, os apaixonados lêem; os apaixonados ensinam, os apaixonados aprendem... Aonde estamos indo com tanta paixão?

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