segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

A monilíase trivial

                No consultório, sentada à frente da mesa, disse ao médico: -"Tive várias crises, doutor... O ginecologista não sabe mais o que fazer". Empertigou-se na poltrona após breve pausa, e completou: -"Por isso mandou-me ao senhor"... 
               O Infectologista ouvia atento todo o relato. (Era um caso de monilíase recalcitrante.) Fez inúmeras perguntas, e ela respondeu sem rodeios. Com efeito, a paciente – teria seus trinta anos – atinha-se a detalhes que julgava importantes e, por vezes, chegava a uma prolixidade desnecessária.
                Lá pelas tantas sentiu a vontade de confessar. Baixou a voz como se outras pessoas estivessem por perto a ouvir: -"Tenho um amante". O médico, apesar da vasta experiência, sentiu um impacto. Retrucou, involuntariamente: -"Amante?... Como assim"? A pergunta carregava, forçoso dizer, certo tom reprovativo. 
               Ela repetiu, impudicamente: -"Um amante, doutor... É um colega de trabalho"... 
               O médico, deixando-se indignar pelo eventual sofrimento do traído, quis saber: -"E por que a senhora tem um amante"?
               Respondeu sem demora: -"Não sei. Mas tenho"....
              Trazendo a entrevista para o plano profissional, continuou: -"O senhor acha que pode ser isso? o fato de eu ter outro além de meu marido"? 
               Ele não respondeu. Ou, melhor, repetia lutando para dirimir a dúvida que não o largava: -"Mas, a senhora não sabe o porquê? as razões que a levaram a ter um amante"?... Ela insistiu, sincera: -"Não, doutor, não sei... Tenho e pronto". Percebendo o susto no consultor, tentou explicar:
               -"É o seguinte, doutor... Com meu amante eu não gozo. Só gozo com meu marido, entendeu? Saio com meu amante e, quando chego em casa, transo com meu marido e, aí sim, gozo"... Fez uma breve pausa e continuou: -"Acho que faço isso por causa do perigo... Me sinto excitada em transar primeiro com meu amante e, em seguida, com meu marido... Percebeu"?
                Após a entrevista, a muito custo conseguiu examiná-la. Estava impressionadíssimo.
               Ali, na cadeira rotatória, depois que ela saiu, ele ficou pensativo. A explicação da mulher, em seu entendimento, serviu apenas a lhe multiplicar as dúvidas. Estava embasbacado, de queixo caído. 
               Lá fora, o trânsito infernal anunciava a selva do asfalto e das ruas. A monilíase tornara-se, após a estupenda confissão, um mero detalhe sem a menor importância.

"Woman is an animal that micturates once a day, defecates once a week, menstruates once a month, parturates once a year and copulates whenever she has the opportunity". W. Somerset Maugham (1874-1965), escritor e médico britânico.

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