Perguntou-me hoje o meu amigo Ciro Ciarlini, no hospital, se eu achava que o dinheiro é fundamental para se ter felicidade.
Nesses tempos de gurus e livros de auto-ajuda, do coaching e dos pastores digitais, das palestras budistas e espíritas para casas lotadas e em grandes auditórios, o que mais se tenta ensinar é como obter felicidade. Falam, falam, falam, e ninguém ouve; ou, se ouve, não aplica o que é ensinado. Ensinam, por exemplo, que o apego ao material só traz dissabores e sofrimento; que o ciúme é fonte de angústia e dor; que o ter não importa, o que importa é o ser; e por aí muitos vão enchendo os bolsos do dinheiro que dizem não ser importante.
Impossível é ensinar uma lição que não se aprendeu na prática. O que se faz fala tão alto que o que se diz ninguém escuta, diz o adágio. O inverso é mais verdadeiro ainda: o que se não faz fala tão alto que o que se diz para fazer ninguém escuta. Vejam a mordacidade do Falcão na letra de uma de suas músicas: dinheiro não é tudo, mas é cem por cento. Traduz bem na medida a hipocrisia desses que estão aí a tentar ensinar o povo.
O Ciro me perguntava se é possível ao pobre ser feliz. E lhe respondi: e ao rico também. É possível a um e a outro. Por que não seria? O dinheiro nada tem a ver com felicidade. Comumente se pensa que o dinheiro é necessário à alegria e à felicidade. Tal concepção é uma tolice sem tamanho. Outro dia, viajando por uma dessas estradas federais esburacadas, vi o que todos vêem. À beira da estrada mora gente pobre. Suas casinhas são feitas por Deus sabe quem. Ao lado há uma árvore frondosa cuja sombra provocante é um convite ao ócio e lazer. Pois bem. É isso mesmo o que faz o pobre que tem essa frondosa árvore como vizinho – põe sob a copa da árvore uma mesinha, umas cadeiras, uma fogueira; sobre a mesa distribui meia dúzia de copos de geléia de mocotó vazios. A garrafa de aguardente sai barato, e o frango assado sai de graça, escolhido do meio de sua criação pessoal. Chama os vizinhos pobretões e a farra vai até sabe-se lá quando. São felizes? Não tenho a mínima idéia, mas têm tudo para ser.
Diz o Kiyosaki que o dinheiro gera problema quando em falta e quando em excesso. Na verdade o dinheiro causa problema como tudo aquilo que muito se deseja ter e não se consegue. Há coisa que faça sofrer mais do que o desejo incontrolável de ter uma montanha de dinheiro? O pobre da beira da estrada tem a mais absoluta certeza de que jamais terá algum dinheiro, mas é feliz com o que tem. Portanto, não sofre por querer o que julga impossível obter. Porque não quer, não sofre. Se quisesse sofreria. Simples assim.
Vê-se que dentre o pobre da cidade ou o pobre que se contamina com as idéias que vicejam nas cidades existem os que querem ter. Há os que são como o da beirada da estrada, mas cresce nas cidades aqueles que cobiçam, que sonham, que imaginam, e com isso cresce-lhes o sofrimento e a vontade de ter. Uma vontade não satisfeita é sempre uma fonte de infelicidade e tristeza. A historieta que conto abaixo é bem ilustrativa.
Certa vez um rico empresário viajando a beira-mar parou seu carro com tração nas quatro rodas à porta da casa de um humilde pescador. O pescador, deitado fora da casa na rede presa a duas árvores (esse pescador tinha duas e não uma árvore fora de casa), balançava-se e fumava um cigarro desses que se fazem comprando o papel e o fumo. Mais distante, à frente da casinha, a jangada do pescador secava ao sol. O empresário veio puxar conversa: - Aquela é vossa jangada? O pescador respondeu que sim. “O senhor pesca para si e para a família?”, continuou perguntando o empresário. “Sim, é o suficiente pra gente viver.”, respondeu o humilde homem. O empresário começou então a ensinar ao pescador como ele poderia fazer fortuna rapidamente: - Se o senhor sair a pegar bastante peixe para vender poderá comprar outras jangadas e colocar outros pescadores a pescar para o senhor. Em breve terá barcos e barcos que pescarão mais peixe ainda e o senhor ficará bem rico. O homem olhou para o empresário e perguntou: - E pra que tudo isso? Ele respondeu: - Ora, para o senhor ficar deitado aí em vossa rede despreocupadamente! O pescador então respondeu: - Mas eu já não estou aqui deitado despreocupadamente?!
Se o humilde pescador “comprasse” a idéia do rico empresário, iniciaria ali sua desgraça e seu sofrimento. Iria querer mais e mais dinheiro e nunca saberia quando parar de querer.
Ter qualquer coisa em excesso, ou nutrir demasiado amor pelo que se tem, é ainda um mais sério problema. Para ser feliz com o excesso é necessária certa dose de desprezo pelo objeto da posse. É preciso enganar a mente dizendo-lhe todos os dias: -“Esse objeto não me serve de nada. É só um meio e uma ferramenta para atingir meus objetivos” É como se não quisesse ter o que tem, ou que o que tem nada representasse. É como se lhe fosse fácil mudar as metas caso o meio de alcançá-las fosse perdido. O mesmo se faz com o excesso de dinheiro. Não se deve, contudo, no que tange ao dinheiro, fazer com ele peripécias e estripulias, posto que não aceitasse desaforos. Ainda assim é preciso a ele dizer todo dia: - Quem manda aqui sou eu!, a fim de estabelecer quem é o senhor e quem é o escravo. Faz-se, então, necessário, para quem tem excesso de dinheiro, um aprendizado contínuo sobre formas de pôr o dinheiro para trabalhar para seu dono. Quem trabalha? O escravo ou o senhor? Então, que o escravo trabalhe. Não se conseguirá que o escravo trabalhe enquanto o senhor não for senhor. O medo de perder é outro problema dos donos do excesso. Há que aprender a perder o medo de perder se quiser ser feliz com o excesso. Diz o Kiyosaki: você recebe o que você teme. Portanto, se tiver medo de perder, perderá, certo como dois e dois são quatro.
A conclusão de tudo isso é que falta de dinheiro não traz infelicidade simplesmente porque não existe a falta de dinheiro; o que existe é o desejo insaciável de tê-lo mais, sempre mais. Acabando-se o desejo, acaba-se também o que faz sofrer. O que traz infelicidade é a falta de paz e liberdade. A paz é fruto das boas relações com os outros; a liberdade cresce na árvore que está no jardim da alma: dentro do próprio ser, com saúde afetiva, emocional e psíquica.
Respondi, então, ao meu amigo Ciro Ciarlini: é possível ser feliz sem o dinheiro, assim como é possível ser feliz sozinho. (O amigo está doido que eu case!)
Caro Fernando...continuo sua leitora assídua. Adorei seu texto de hoje. Case, não, amigo. Não há preço para certas coisas, como, por exemplo, sua liberdade. Para tudo mais, há o Marter Card. Beijocas nas bochechas. Estou na cidade. Vamos tomar um chá qualquer hora dessas.
ResponderExcluirNeda.
"O dinheiro nos influencia como a água do mar, quanto mais bebemos mais sede temos."
ResponderExcluirSchopenhauer
Aproveito também aqui para deixar uma mensagem.
ResponderExcluirPara os que deixam para trás a barreira dos aparentes e impermanentes encontrarão Paz ou
Libertação e esses conseguirão chegar à
fonte-essência das coisas.
Dinheiro não traz felicidade e sim alegria por alguns instantes. Dinheiro satisfaz apenas os desejos e não as vontades. Dinheiro compra sexo e não amor. Compra Viagra e não tesão para ser mais direto... Compra livros e não poetas e escritores. Meu amigo novo, felicidade é o encontro da vontade com a segurança da posse eheheh Só filosofando eheheheh
ResponderExcluirFernandão :
ResponderExcluirEssa deu para encher o meu ego de liso feliz.Helder