terça-feira, 25 de junho de 2019

BOM MOUCO, MAU CONSELHEIRO

Há uma surpresa em cada palavra tanto quanto em cada esquina. Nunca se sabe o que vem a seguir. E, como os discursos e as conversas são repletos de palavras, aí estarão as maiores das surpresas.
            Outro dia, no hospital, encontrei um querido amigo. Após as efusões iniciais, disse que eu deveria “investir mais” em meu blog. Vejam como são as coisas. Dali em diante a conversa se tornou para mim uma impossibilidade. Não que qualquer coisa me chateasse, não foi isso. Simplesmente ocorreu de eu ficar surdo. Sim, a pergunta que me fazia não parava de gritar ao meu ouvido: -“Investir mais? Investir mais? Investir mais?” Como a ecoar em minha pobre mente, me perguntava o que seria “investir mais em meu blog”.
Ainda outro dia, num encontro de ex-alunos maristas – notem que um ex-aluno marista é ex-aluno, nunca ex-marista – um amigo do tempo das fraldas fazia discursos eloqüentes, e dizia: -“Vamos pôr as fotos no blog do Fernando!” Todos sabem que no Ceará uma frase como esta suscita inúmeras e sérias implicações de dúbios, duplos e triplos sentidos. Escutava aquilo e não emitia um som. Nessas ocasiões quanto menos se fala, menos se complica. Mas, sejamos justos, o amigo tinha o firme propósito de “investir em meu blog”. Isso foi o que me pareceu.
Após tanta vontade e conselho para investir em meu blog, esclareço que o blog foi criado apenas para servir de arquivo virtual, por sugestão de uma amiga. Tanto é que, ao início, ao tentar “investir em meu blog” avisando aos amigos que não mais enviaria os textos que escrevo diretamente aos seus endereços eletrônicos, recebi uma carrada de correspondências dando conta de que preferiam recebê-los diretamente a lê-los no blog. Concluí que ninguém gosta de blog, inda mais do meu.
No hospital, o amigo que sugeria o investimento no blog falava, falava, falava, e eu ouvia bulhufas. E pensava como é interessante a constatação de que há sempre quem ache que não se está fazendo o suficiente. Para algumas pessoas, o que você está fazendo, ou fez, ainda não é, ou foi, o bastante, mesmo que disso não resulte nenhum mal a quem quer que seja. Medem tudo usando sua própria medida. Paciência.
Vejamos outros discursos. Há pouco mais de uma semana uma amiga me confidenciava sua incapacidade de levar adiante o namoro com certo varão vigoroso. “Não dá mais certo de jeito nenhum!”, dizia ela com uma daquelas convicções ferrenhas. Deu-me tantos e tantos argumentos que julguei líquido e certo o fim do romance, mesmo sabendo de outros tantos rompimentos irrevogáveis. Qual não foi minha surpresa ao dia seguinte quando vi o casal enfronhado em beijos e abraços escandalosos. E nem falemos nos cochichos e olhares enternecidos. Concluí que devo ter ouvidos que mais lembram lixeiras do que órgãos de comunicação. Caso contrário, não seriam usados para um propósito tão desnecessário e inútil. Ainda agora procuro para eles alguma utilidade. Ao contrário do blog, para o qual achei um fim bem a calhar, ainda não achei para meus ouvidos uma função apropriada.
É bem possível que alguém saia com o clássico discurso “para isso servem os amigos”. A pergunta que ainda ficaria a pairar no ar é “por quantas vezes e por quanto tempo?”. Suponho que o amigo deva ser obrigado a ouvir e ver repetirem-se os mesmos e renitentes problemas. Imaginem o sofrimento dos amigos que ouvem tamanhas torturas a apoquentar seus amados. É preciso enormes e infinitas resistência e frieza à visão do sofrimento alheio. O pior é que não se aceitam sugestões nem conselhos. E, para falar a verdade, conselhos são às vezes tão valiosos que se deveria por eles pagar.
Assim, de discursos em discursos, de argumentos em argumentos vamos vivendo a vida. Eu, que deveria “investir em meu blog”, insistindo em não “investir”; os amigos e amigas, que deveriam desmanchar relações de dependência, insistindo em depender. Há algo melhor a se fazer na vida?

Fernando Cavalcanti, 05.09.2010

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