terça-feira, 25 de junho de 2019

TEORIA DO MARICAS

Sempre lembro um conto do Nelson Rodrigues cujo título, se não me trai a memória, seria “Vestido de noiva”. Em resumo, é o seguinte. Eusebiozinho é um garoto que cresce e é criado à sombra de três tias velhas que lhe enchem de mimos e satisfazem todas as suas vontades. Um dia um tio, único homem adulto da família, repreende as tias alertando-as para o risco de o transformarem num maricas. A solução era arranjar-lhe, com a máxima urgência, uma noiva e, em seguida e sem delongas, um casamento.
Noiva providenciada, começam os preparativos para o casório dentre os quais a confecção do vestido para a nubente. Resultado da ópera – Eusebiozinho encanta-se com o vestido e seus adornos, sem dar a mínima para a noiva. Então, no clímax do enredo, uma de suas tias o encontra enforcado em seu quarto usando o vestido. O rapazola era efeminadíssimo, como bem se pode depreender.
Eu mesmo, primogênito e premiadíssimo com os zelos e cuidados de minha mãe e uma tia-avó que vivia conosco, fui fonte de preocupação por parte de meu pai que temia desfecho semelhante, ainda que usasse fraldas. Destarte, tratou de pejar minha mãe na maior brevidade de tempo a fim de desviar sua atenção de mim evitando, assim, meu "efeminamento". Já crescido, o velho me tratava na disciplina da palmatória. Resultado: nunca anelei me travestir. E mais: tudo que consegui foi com esforço pessoal, disciplina, abnegação e ajuda e perdão do Senhor.
Por tudo isso e algo mais é que muito me irritam os mimos e as deferências excessivas a quem quer que seja; é uma coisa odiosa e perniciosa, sem dúvida. Às crianças pode-se até entender, ainda que o sinal de alerta esteja sempre a relampejar e o tempo ainda permita as necessárias correções. Porém, mimos e cuidados excessivos a um adulto, macaco velho, cabelos em falta e de barriga saliente são algo detestável e abominável. Imaginem aí o cabra velho que ninguém tem coragem de contrariar. Vale ressaltar que não se trata do chefe da empresa nem do fiscal de rendas – é apenas e tão-somente um homem maduro e, usando uma do Casoba, quase podre.
Uma característica desses tipos (ainda bem!) singulares é o seu caráter manipulador e sedutor. Seu poder de atrair e de subjugar o coração do desavisado é a sua marca registrada. Não há quem resista ao seu brilho. É uma estrela de primeira grandeza cujo núcleo é tão quente quanto consumidor e destruidor. Uma vez cativo o coração de sua vítima, é capaz de manipulá-la a seu bel-prazer. Quem jamais foi atraído por um desses espécimes? É um amigo, um colega de trabalho, um vizinho, um vendedor, um familiar. Com a mesma facilidade com que tece, destece; com a mesma rapidez com que constrói, destrói. Aos atentos sucumbe. Aos desatentos subjuga.
Assim como me embrulha o estômago o existir desses espécimes, causa-me náusea a persistência do desavisado que de desavisado nada tem. O desavisado que não é desavisado é, antes de tudo, um medroso, um pusilânime, um fraco e – pior! – um anti-amigo. Lembremos: anti-amigo é aquele cuja amizade nada me acrescenta; é aquele que perdeu as potencialidades de uma rica amizade; é aquele que deixou por tanto tempo na geladeira a amizade que ela acaba por apodrecer ou se fossilizar.
Temos no maricas mimado com seu(s) anti-amigo(s) a amizade que Cícero classificou como a amizade por interesse onde um dos componentes é, em última análise, um bajulador que teme contrariar o outro. Esse cenário é impróprio ao vicejar da verdadeira amizade, e seus ditames estão longe dos bons princípios desta. Eles se mantêm unidos por fracos elos de conduta e princípios e seu destino é a cristalização sem vida daquilo que, de fato, nunca existiu.

Fernando Cavalcanti, 18.12.2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O NARCISO DO MEIRELES

Moravam numa bela casa no Parque Manibura.  Ela implicava com ele quase que diariamente. Era da velha guarda, do tempo em que o homem saía c...