terça-feira, 25 de junho de 2019

O LAR DOS PERTURBADOS

Devem ter percebido aqueles que já me lêem a algum tempo que Amorim anda sumido de minhas crônicas. De fato, o homem anda sumido de minha vida ou, melhor, andava. Eis que hoje o encontrei no almoço que combinamos.
Vinha ao almoço almoçar, mas não almoçou. Já havia almoçado. Perguntava-lhe como se almoça antes do almoço. Segundo as explicações, hoje seria o dia em que almoça com os pais. Como faltara ao almoço familiar há uma semana, faltou-lhe coragem à nova falta. Fiquei achando que este seria o único dia que seus pais almoçam, já que não se dispunha a ir noutro dia da semana. Poderia ir amanhã, por exemplo. Ou na sexta, ou no sábado, ou qualquer outro dia, bolas!
Sei, sei. Dirá ele que às quartas se reúne toda a família, os irmãos, os netos, os bisnetos, os genros, as noras. Pareceu-me também que o almoço obedece à lei do tudo-ou-nada: ou vêm todos ou ninguém. Os pais do Amorim me ficaram na mente quais dois generais carrancudos e implacáveis, ao passo que seu almoço um compromisso seriíssimo e não um momento de lazer. Paciência. Nosso almoço de hoje foi um compromisso bissexto.
Então, não almoçou conosco o Amorim. E, diga-se de passagem, raro é que ele sente à mesa e em nada toque. O homem é garfo dos bons. Come que nem um cavalo no pasto. Já o surpreendi almoçando duas vezes seguidas no mesmo dia. Seu apetite é voraz. Dir-se-ia padecer das verminoses intestinais, de uma tênia caso único em que não haveria um mas dois vermes. Se hoje foi diferente, das duas uma: ou há consumpção ou o homem acabara de sair da mesa paterna direto para a mesa de nosso encontro. Prefiro crer na segunda e benigna hipótese, já que nem a Magaly do Maurício de Sousa comeria tanto assim.
De qualquer modo, não se esquivou do compromisso conosco. Veio como combinado, ainda que atrasadíssimo. Demonstrou zelo para com os amigos. Esse seria um bom motivo para olvidar-lhe a desfeita de não comer. Estava quase perdoado quando cometeu uma segunda e imperdoável gafe – precisava ausentar-se imediatamente. Um compromisso inadiável o pressionava - levar o filho de sete anos à psicóloga.
Não é segredo que Amorim e a mulher adoram fazer psicoterapia. Fazem psicoterapia há sabe-se lá quanto tempo. Estão plenamente convictos de que se aprende a viver fazendo psicoterapia. Farão psicoterapia até morrer, já decretaram. Não passam sem a psicoterapia. Sua psicoterapia tornou-se o comprimido sem o qual não é possível a vida. Estou certo que levarão a psicóloga em suas próximas viagens. É elemento indispensável. Seguramente, comprimidos e tratamentos de uso contínuo são indicados para doenças crônicas. Conclusão: Amorim e a mulher têm doença crônica e incurável.
Que tenham sua doença a perdurar até o fim de seus dias, vá lá. O problema é que o casal pôs o pequeno filho, ainda quase de fraldas, a tratar doença que seguramente não tem. Ao pequeno estão a imputar desequilíbrios inexistentes. Ou supõem ser seu distúrbio hereditário e assim agem no intuito de prevenir.
Fiz ao Amorim uma sugestão: levar seu cachorro ao psicólogo. Sim, hoje os cães são também vítimas do estresse e distúrbios da adaptabilidade. Eles fazem, sim, psicoterapia. Não se sabe como, mas fazem. E fiz ainda outra sugestão ao amigo: que leve a Maria, sua secretária do lar, à psicoterapia. Concluí, quase sem querer, que quem convive com Amorim e a mulher necessitam fazer psicoterapia. O casal, doido de pedra, tem doença muito contagiosa que a ninguém poupa. Acabei, assim, por ficar feliz de minha pequeníssima convivência com o homem. Caso contrário teria que começar a pensar em também contratar uma psicóloga.

Fernando Cavalcanti, 05.01.2011

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