terça-feira, 25 de junho de 2019

UMA HISTÓRIA PARA O PEDRO

Eis que recebo uma mensagem – nos tempos machadianos se mandavam cartas por um escravo ou um preto velho já liberto – de meu querido amigo, e principal provocador, Pedro Olímpio Aguiar. Quem não o conhece, acautele-se: ele é um dos sujeitos mais mordazes, gozadores e, como já disse, provocadores que conheço. Olhem lá se não for o mais! Pedro é desses sujeitos expansivos com os amigos; quem não se habitua, acaba lhe tendo reservas. Eu, que já o conheço de muitos e muitos carnavais, já – e ainda! - me eriço os pelos quando ele vem de lá com suas chacotas e folguedos. Para terem uma ideia, Pedro é dado a reescrever meus textos, dando-lhe outros matizes e invertendo o tema central. Em outras palavras, o sacana é um plagiador barato. Outro dia desses, aproveitou-se de um conto que escrevi baseado em fatos da vida real, em que o sujeito se convence de que não há por que ser cavalheiro com as mulheres, e puxou o saco de sua gentil senhora trocando tudo ao inverso. E ainda me admoestou por ter sido indelicado com minha mãe, uma mulher. Ora, um conto é um conto. Não traduz necessariamente a opinião do autor. Ocorre que ele sabe disso, sim. Mas não deixa passar a oportunidade de querer me enfronhar em celeumas.
Pois bem. Ele acha que hoje o dia está propício para escrever. Não tenho a menor noção de onde ele tirou essa ideia, mas é o que acha. Terá sido a chuva? Estará entediado e quer me botar pilha para ver aonde vou? O dia foi particularmente modorrento, é verdade. A cidade virou um caos. Deve estar o Pedro em seu ninho familiar, olhando para o céu encoberto por cumulo nimbos escuros e densos, e pensando em mim. Lá no fundo de su’alma acalentou o desejo de me instigar. Ele adora, eu bem sei. Mas – coisa curiosa – pediu expressamente que não escrevesse nada conflituoso; pediu-me algo “plácido sem, contudo, fugir às suas (minhas, quero crer) conotações apocalípticas”. Caíram-me os queixais. Estou numa sinuca de bico. Que me socorra o Rui Chapéu. Que diabos quer o Pedro? Dias como o de hoje têm sido raros em nossa terra. A canícula é nossa companheira habitual. Os fortalezenses deveríamos andar seminus no dia-a-dia. Nosso transporte haveria de ser a bicicleta. Hoje amainou. E com o sereno veio o Pedro. Sempre pensei que as altas temperaturas são a causa de alguns desvarios. Vai ver teve o Pedro um choque térmico.
Por outro lado chamou-me a atenção sua percepção de que escrevo peças que encerram algo de “vital”, profundo, essencial; e que, hoje, ele não estaria disposto a encarar. Talvez quisesse algo superficial, tolo, sem pretensões. Ora, ele queria uma tolice com apelo apocalíptico? Bem, caro Pedro, a única coisa desse tipo que conheço é o choro feminino. O amigo há de me desculpar a obsessão. Sim, a mulher chora por coisas menores que um átomo, quebram-no ao meio e eis aí o estouro apocalíptico. Veja bem, e que não me interpretem mal: falo das zangas menores, as que não seriam para tanto. Há ou não dessas tempestades em copo d’água?
Então, aí está. Passo agora a debulhar minha memória e a dilacerar as fendas do tempo em busca de uma história sobre o tema. Tão logo a ache, deitá-la-ei ao pergaminho do presente em letras garrafais para satisfazer a ânsia incontida de meu querido Pedro Olímpio. E lembrem-se: “yo no creo em bruxas; pero que las hay, las hay”! 

Fernando Cavalcanti, 27.02.2009

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