terça-feira, 25 de junho de 2019

UMA MATÉRIA LAMENTÁVEL

Repleta de equívocos está a matéria “A inspiração eterna dos anjos”, da edição 2196 da revista Veja. Seus autores, os jornalistas Bruno Méier e Jerônimo Teixeira, pretendem se aventurar na “história e razões da moderna devoção aos eternos mensageiros de Deus, cultuados por cristãos, judeus e mulçumanos”.
            A “história” que esses senhores levantaram não tem nada de história. Trata a matéria de como naturalistas, ateus e “religiosos” vêem e viram os anjos ao longo do tempo. Por isso, por uma visão míope e pretensamente lógica, incorre em inúmeros enganos. Tomarei apenas uma parte de um de seus parágrafos para demonstrar o que digo.
            “Mais grave ainda é que os anjos podem se converter em demônios. No cristianismo, em particular, consagrou-se a visão de que eles estão sujeitos a dar passos em falso. De acordo com essa tradição, Lúcifer, ou Satanás, teria sido um anjo que, por orgulho, se voltou contra Deus e teria sido expulso dos céus. Não existe, nos textos sagrados, um relato claro e detalhado da queda dos anjos maus. Quando os anjos caíram? Que pecado terão cometido para cair?”    
            É claro, no texto sagrado, que poderosos anjos de Deus caíram ao quebrar a Lei quando ela diz: “Não terás outros deuses diante de mim.” Não é uma tradição que diz que “Lúcifer, ou Satanás, teria sido um anjo que, por orgulho, se voltou contra Deus e teria sido expulso dos céus”, nem é isso uma visão do cristianismo. Está em Ezequiel (séc. VI a.C.), um livro do Velho Testamento, em seu capítulo 28, uma descrição do próprio Deus de quem foi Lúcifer, em que se tornou – qual o seu pecado - e o que lhe está reservado (suprimirei a ordenação em parágrafos do texto bíblico para uma melhor inserção no presente texto): “Assim diz O Senhor Deus: Tu és o sinete da perfeição, cheio de sabedoria e formosura. Estavas no Éden, jardim de Deus; de todas as pedras preciosas te cobrias: o sárdio, o topázio, o diamante, o berilo, o ônix, o jaspe, a safira, o carbúnculo e a esmeralda; de ouro se te fizeram os engastes e os ornamentos; no dia em foste criado foram eles preparados. Tu eras querubim da guarda ungido, e te estabeleci; permanecias no monte santo de Deus, no brilho das pedras andavas. Perfeito eras nos teus caminhos, desde o dia em que foste criado até que se achou iniqüidade em ti. Na multiplicação do teu comércio se encheu o teu interior de violência, e pecaste; pelo que te lançarei, profanado, fora do monte de Deus e te farei perecer, ó querubim da guarda, em meio ao brilho das pedras. Elevou-se o teu coração por causa da tua formosura, corrompeste a tua sabedoria por causa do teu resplendor; lancei-te por terra, diante dos reis te pus, para que te contemplem. Pela multidão das tuas iniqüidades, pela injustiça do teu comércio, profanaste os teus santuários; Eu, pois, fiz sair do meio de ti um fogo, que te consumiu, e te reduzi a cinzas sobre a terra, aos olhos de todos os que te contemplam. Todos os que te conhecem entre os povos estão espantados de ti; vens a ser objeto de espanto e jamais subsistirás.”
            Não há necessidade de comentário.
            Na mesma matéria, como legenda de uma pintura de Bruegel, o Velho, A Queda dos Anjos Rebeldes, lê-se o seguinte: “outrora um anjo das hostes divinas, Satanás se volta contra o Criador e é expulso pelos anjos bons - uma história poderosa da tradição cristã, mas que não é relatada na Bíblia”. Ora, vejamos o que diz o texto que os senhores autores dizem que não diz: “Houve peleja no céu. Miguel e seus anjos pelejaram contra o dragão. Também pelejaram o dragão e seus anjos; todavia, não prevaleceram; nem mais se achou no céu o lugar deles. E foi expulso o grande dragão, a antiga serpente, que se chama diabo e Satanás, o sedutor de todo o mundo, sim, foi atirado para a terra, e, com ele, os seus anjos.” (Apoc. 12, verso 7 a 9) O detalhe assustador é a constatação de que quem lidera os exércitos celestiais é o próprio Cristo (Mi= Aquele; Ka=como; El=Deus).
            Quando, então, terão caído Satanás e seus anjos? Certamente em algum momento antes da queda do homem, já que no mesmo Apocalipse está escrito em seu capítulo 12, verso 12, tendo acabado a luta no céu: “Ai da terra e do mar, pois o diabo desceu a vós, cheio de grande cólera, sabendo que pouco tempo lhe resta.” Chegando ele à terra, conhece-se a história da queda do homem.
            No mais, a matéria de Veja é repleta do misticismo  e esoterismo vulgar que ora viceja e que em muito contribui para a propagação da mentira, obra do grande enganador e “sedutor de todo o mundo”. Uma pena.

Fernando Cavalcanti, 20.12.2010  

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