segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

BIG BUNDA BRASIL


Quem será que inventou esse negócio de meter um monte de gente numa casa cheia de câmeras de televisão, e deixá-las lá sem ter outra coisa a fazer a não ser interagir entre si? Há de ser um gênio, sem dúvida.
            Foi uma idéia sem adjetivos. Nem Freud e seus discípulos atinaram. É um laboratório escancarado a testar as relações humanas. Tenho até uma sugestão aos ilustres senhores da televisão: que mantenham uma edição do big brother por um ano. Outro dia assisti, numa rara oportunidade, a um episódio em que duas participantes discutiam nariz a nariz. Parecia o desenho do Pica-Pau. Uma delas xingava a outra enquanto segurava um facão. Pensei cá comigo: -“É agora.” E esperei a tragédia se consumar. No Pica-Pau o sujeito leva tiro a valer e sai com furinhos que desaparecem numa sacudidela.
            Há quanto tempo eles estão lá? Quase um mês, quero crer. Imagina se ficam um ano. O jeito que tem é ir jogando fora um a um. Toda semana sai um. No big brother anual sairia um a cada mês. As duas beldades que quase vão às vias de fato – com a ameaça do fato de uma –, teriam que ser despachadas sem demora! O pior é que nenhuma delas era candidata à expulsão na semana em que ocorreu a ameaça implícita. Alguém dirá que não, que nada disso ocorreu, que não foi bem assim. Eu se fosse vítima de uma guerra verbal com alguém que não conhecia há até um mês atrás, me sentiria ameaçado. Se alguém acha que não, paciência. O brasileiro está chegando a um nível extremamente perigoso de leniência e transigência.
            Agora lembrei porque via o big brother. Queria ver as bundas das meninas. E o que vejo? A cena fatídica. Deu-me o pavor de acabar por ver, ao invés de uma bunda rechonchuda e firme, uma bunda escalpelada. Não sei se isso afetaria minha predileção por essa parte da anatomia feminina, tipo não posso mais ver uma bunda que me apavoro, mas é provável que necessitasse de umas sessões de psicoterapia. Ou, por outra via, talvez passasse a dar mais atenção a outra parte do esguio corpo da mulher.
            O diabo é que, quando o sujeito faz esse tipo de confissão, chovem os protestos e os mal-entendidos se alastram. Não sei por que, mas existe ainda um tabu em torno dessas coisas. O sujeito é visto como um pervertido ou coisa que o valha. E não é nada disso. Tudo é obra dos benditos genes. Os genes são nossos softwares. Os leões e os tigres têm lá os seus. O ser humano tem os seus. Eu tenho os meios, ora bolas. Alguém dirá que o homem é diferente de um bicho e eu direi que nem tanto, nem tanto. A repressão é mais danosa que a catarse. Os consultórios estão infinitamente mais lotados que as penitenciárias. Quando não isso, a religião.
            Em que pese Nietzsche ter decretado a morte de Deus, ele continua bem vivo e disposto. Várias vertentes do cristianismo – adicionadas as mais recentes e inusitadas – estão aí a comprovar. Os judeus ainda esperam seu Messias. Maomé e Alá pelejam para ver o mundo ocidental pelas costas. Até o calendário maia, com um nítido viés religioso, está aí a anunciar o fim do mundo para o solstício de verão no hemisfério norte, em 2012. Já virou documentário e filme de terror. E nem falemos nas infinitas formas tribais de religião presentes na África e Ásia. Maomé e Alá enchem a mulher de panos e lençóis a evitar a tentação que incitam. Eva foi a culpada dos descaminhos de Adão. Como ainda não se descobriu uma forma de tornar a mulher desagradável aos olhos do homem, condenam-se ainda com veemência esses meus olhos demoníacos.
            Eis o que queria dizer. Está cada vez mais na moda um movimento religioso que eu chamo de ecumenismo monoteísta poli-religioso. Como o sujeito não encontra as devidas explicações do além numa só fileira, adere a todas elas ao mesmo tempo, acreditando na existência de um deus único. Tira de cada uma delas o que lhe interessa e é conveniente, e descarta o que lhe não vai bem. Seu número cresce mais entre os católicos, a religião mais mundana. Os espíritas têm recebidos muitos novos adeptos, não sei se pelo fato de nada condenarem ou por se colocarem em posição de diálogo com todos. Afinal, estamos evoluindo espiritualmente à medida que o universo evolui. Se ainda gosto de apreciar bundas, devo ser um espírito mixuruca. Estou no Paleolítico Inferior de minha evolução espiritual. Sou um Homo erectus entre os espíritos. Devo, na próxima encarnação, viver martírios compatíveis com essa mania feia de apreciar bundas. Sabe-se lá o que o naturalismo espiritual reserva para mim.
            Fui dormir jurando evitar a todo custo perseguir bundas na TV, na praia, ou em qualquer outro lugar onde elas abundem.

Fernando Cavalcanti, 09.02.2010            

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