segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

CU DE BEBO NÃO TEM DONO

Vejam como são as coisas. O sujeito viaja mil quilômetros a trabalho, faz um sacrifício danado, estuda o assunto detalhadamente noites adentro, e por fim, e para chegar ao fim de tanta distância, vai aonde não quer para chegar aonde quer. Explico.
            Para se chegar à linda e aconchegante Maceió, capital das Alagoas, vindo de Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção por avião, faz-se uma ginástica itinerária e temporal. Vai-se a São Salvador da Bahia e troca-se de aeronave.  Na volta, seguindo-se o caminho oposto, espera-se três horas para entrar no avião que vem de volta, descendo antes no Recife para pegar mais gente e deixar ficar outro tanto.
            Após um trabalho extenuante, ainda que prazeroso, deseja-se a morte em tais circunstâncias. É bem verdade que a idade já não ajuda a maioria dos comparsas, mas mesmo os mais novos se ressentem de tamanha peripécia. Aos mais entrados nos anos, que não vamos aqui taxar ninguém de velho, mesmo porque não é o caso, impõe-se, após o dilacerante trabalho, o descanso merecido em excelente hotel. Os que compreendem tal limitação resignam-se e recolhem-se ao fundo do leito. Os que não o fazem acabam por sofrer as conseqüências da fadiga e da exaustão.
            Mesmo os mais novos deveriam observar a lei do descanso. Sua vantagem sobre os mais velhos é apenas de algumas poucas horas. Nestes o corpo avisa mais cedo: -“Chega, meu irmão, que não agüento mais!” A piorar, está mais desenvolvido nos mais novos o retículo endoplasmático, que trata as moléculas de etanol como se fosse água. Por isso abusam: querem beber a bebida do mundo todo numa só noite, como se ao dia seguinte esta fosse acabar e obrigar todos à temperança da sobriedade. Ou, então, se não for este o caso, seu retículo liso desenvolveu-se à custa do estímulo contínuo e incessante de goles sôfregos. Ou, ainda, aliem-se as duas possibilidades.
            Há ainda outros senões a considerar. Não é somente a bebida a causa dos sintomas do corpo exaurido. Outra possibilidade existe, e é mais velha que o mundo, desde que o mundo é mundo: um rabo de saia. Sim, as noites proporcionam possibilidades mil ao inebriado varão que se aventura na noite maceioense. Com tantas lindas nativas, o sujeito fica passivo de se enamorar. É sabido que o álcool traz à flor da pele as paixões mais agudas do mundo, ainda que efêmeras. Ama-se à noite para a ressaca do dia seguinte. Então, todo o cuidado é pouco. Muita calma nessa hora. A vicissitude do amor premente abre uma janela para o infinito, e o mais desavisado está prestes a visitar mares nunca dantes navegados.
            Por fim, o incômodo atinge seu pico e, onde quer que esteja, mesmo o mais vigoroso varão sucumbe. Vira um trapo, um lixo em vida, uma pústula. É capaz das mais indizíveis atitudes. É capaz de dormir na coxia com um cão vadio a lhe lamber as fuças e acordar nu em pêlo, vítima da ação do descuidista. E, se somente isso acontecer, que dê graças a Deus e a seu anjo da guarda, posto que terá escapado do intercurso mais comum nessa classe de gente, já que cu de bebo não tem dono.
            Em anexo, fotos do estado lastimável do varão. Não se sabe onde andava a mãe desse menino.

Fernando Cavalcanti, 17.11.2009        

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