segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

GOSTOSÃO

Passou a receber bilhetes, pedaços de papel inteiros de pequenos blocos ou rasgados de maiores cadernos. Diziam de paixão, de tesão, de todo tipo de safadeza. Quando entrava em sala de aula buscava com os olhos a autora. Nem mesmo uma mínima suposição seria possível. Podia ser uma das bonitas, mas também podia ser uma das feias. Começava a achar que eram os colegas a lhe pregar uma peça.
            Nunca soube como conseguira seu telefone. O fato é que certo dia recebeu o telefonema da pequena, dizendo que ao dia seguinte o procuraria pessoalmente depois das aulas.
            Dali a uns poucos dias ia saindo da sala quando alguém o puxou pelo braço. Virou-se e deu de cara com uma bonita moça. Ela disse: -“Sou a fulana.” Sentaram-se a conversar. Ela repetiu tudinho o dos bilhetes. Ele ouvia passivamente e ao final do relato foi taxativo: -“Tenho namorada.” E disse mais - que se topasse seria só sexo. Ela ficou calada; ergueu-se e saiu.
            Passava o tempo e não trocaram mais palavra. Os bilhetes cessaram. Nem para ele olhava. Julgava que havia desistido. Sua sinceridade fora contundente, um balde d’água fria. “Melhor”, pensou. Não queria trair a namorada, embora com ela não tivesse atrevimentos. Sexo com a namorada só depois do casamento. Um dia casaria com ela.
            Já iam quase três meses depois quando a bonitinha da sala lhe procurou novamente. Segurava um calhamaço de cor parda. Fez o gesto de entregá-lo e disse: -“Estou pronta. Fiz todos os exames. Está tudo aí.” Fizera um check-up para o sexo. Ele ficou de queixo caído. Precisava inventar, ali, de supetão, uma desculpa. O espectro da namorada pairava no ar. Tentou se sair com a da pindaíba: -“Não tenho dinheiro pro motel.” Ela já tinha tudo planejado: -“Então vai ser lá em casa.”
            Não teve jeito. Quando seus pais saíram certa noite, ela bateu o telefone para ele: -“Vem agora!” Ele saiu cambaleando na bicicleta, suando frio. Moravam próximos. A coisa era para ser rápida. O coração quase lhe saía pela boca.
            Despiram-se numa ligeireza colérica. Carícias lascivas, beijos molhados, mãos bobas se misturaram ao nervosismo recíproco. A coisa ia acontecer quando uma luz forte irrompeu pela janela do quarto: -“É meu pai! Corre!” Ele saiu como um raio. Teve que pular o muro carregando a magrela, a bicicleta. Depois se perguntava como conseguira tal proeza.
            Dias depois do fracasso inicial, bate o telefone e ele atende. Era ela: -“Vem!”
            Novamente as preliminares, a diaforese, o sentimento de culpa que já lhe crescia por dentro. Já não podia atribuir o que acontecesse ao atropelamento do acaso. Por isso saltou de cima dela com a respiração ofegante e bradando: -“Não posso! Não posso!” E correu para a saída quase caindo tamanha a pressa de vestir as calças.
            Dali em diante ela infernizava-lhe a vida em telefonemas diários: -“Tu és viado! Só pode ser!” Ameaçava: -“Vou contar pra todo mundo que tu és franga!” E acrescentava: -“Esse corpão de homem é só fachada!”
            Ele não se abalava. Estava tranqüilo. Não temeu pelos eventuais boatos, que nunca vieram, e o tempo tudo resolveu. Cessaram os telefonemas e as ameaças à sua virilidade. Algum tempo depois ficou sabendo: a fulana era maluca de tomar remédio controlado e tudo. Vez ou outra era internada em manicômio. E tudo depois de dar para o bairro inteiro.

Fernando Cavalcanti, 02.02.2011

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