segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

O TERROR DA REALIDADE

Em outubro tomei uma decisão: não mais leria revistas nem jornais. Certa vez, há algum tempo, jurei que não lia jornais. Lia revistas até então; doravante nem um nem outro. Não há temor da ignorância. Felizmente a desprezo. O ônus do conhecimento ou a paz da ignorância? Fico com a segunda. Na verdade a decisão tem maior alcance: nenhum noticiário que seja em qualquer que seja a mídia.
Hoje, entretanto, – a curiosidade matou o gato – abri um jornal local. Notícia da capa: cem assassinatos em Fortaleza nos primeiros dezesseis dias do ano; média por dia, seis e uma fração. A continuar assim, serão mais de dois mil ao final. Dizia também a matéria de um certo “território da paz” onde, no último fim de semana, duas pessoas foram mortas. Se lá é assim, tire-se como é alhures.
Resultado de minha curiosidade: morri. Tal qual o gato curioso, morri. Troquei, por motivo de um fugaz momento de vontade de saber o que se passa, minha paz da ignorância pelo ônus de saber que estamos no meio de uma guerra da qual todos são potenciais vítimas. Pior do que o tomar conhecimento do que ocorre em bairros da periferia seria lá ir para verificar se é assim mesmo. Se o fizesse correria sério risco de morrer de verdade. Aqui, da lonjura de meu lar em relação ao epicentro do bombardeio, morro por dentro.
E, já que tomei atitude contrária a uma decisão transitada em julgado, falemos um pouco do que trazem os jornais. Não; não falemos das outras más notícias. Falemos daqueles que as protagonizam, os humanos. O que os conduz?
Quatro são os instintos dos humanos: a fome, o medo da morte, o impulso sexual e a defesa ferrenha da prole. Bem se vê que na lista não consta o assassinato. Exceto quando está a sua vida e a da prole em risco, não há instinto nos humanos para matar. Se não há, por que matam? Dirá alguém que há o crime famélico, e direi que os nobres causídicos e magistrados estão aí para assim julgá-lo. Portanto, é provável que o matar esteja mais para a inteligência do que para o impensado e, como diria o Kiyosaki – ou terá sido o Convey? –, a inteligência não é santa.
Mata-se desde os primórdios. Nas guerras mata-se para conquistar povos e territórios, e para se defender no caso dos ameaçados. Mata-se por ciúme ou inveja, e mata-se para obter vantagens materiais. Caim, o primeiro assassino, matou por ciúmes e inveja de seu irmão, que oferecia bons sacrifícios a Deus, ao passo que seus sacrifícios eram quase nada, uma má vontade enorme. Mata-se por acidente, imperícia ou imprudência. Nem diríamos que no acidente se mata, mas que no acidente se morre.
E em nossa manchete? Por que se mata? É a história das drogas e das dívidas de drogas, os tais acertos de contas. O endividado do crack é pobre. O rico pode usar a velha e conhecida cocaína e pagar bem por ela; e pode também usar um crackzinho de vez em quando, que ninguém é de ferro.
Se só morrem os pobres da droga barata que incapacita, quando virá a solução? A quem interessa a solução? Colocando de outra forma, a quem não interessa a solução? Os jornais adoram: vendem-se mais. Quem mais adora? Ora, os que movimentam o negócio das drogas. E quem movimenta o negócio das drogas?
Continuo preferindo a paz da ignorância. Viram como não vale a pena ter certas informações? Não percam seu tempo. É melhor um bom livro ou um bom filme, de preferência um de terror, já que esses são inverossímeis. O terror de nossa realidade não; esse é tão terrível que causa câncer, aterosclerose e uma bala no peito.

Fernando Cavalcanti, 18.01.2011 

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