quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

MENINOS SEM SAUDADE, MENINOS SEM PAIXÃO


           Será que o Fábio Motta se agastou comigo após o que escrevi ontem? Era o que me perguntava hoje, logo após acordar de um sono reparador. Resposta: – de maneira nenhuma. Com efeito, o amigo adora que escreva sobre ele. Diria até que se comporta como se comporta exatamente para me provocar, o safado. Em outras palavras, seu comportamento é inteiramente promocional. Seria isso como que a marca registrada do homem: entende de alguma forma se promover ao se tornar objeto de minha pena. E ai de quem criticá-lo por isso! Meneia a cabeça passando a mão nos ralos cabelos como a endireitá-los no sentido correto, ao mesmo tempo que sorri um sorriso discreto e silencioso. Seria como se estivesse a dizer: “não enche, meu chapa”...
                Comecei assim só para lembrar o que dizia o Nelson sobre a amizade: a amizade é o grande acontecimento. E, assim, pegam-se os verdadeiros e amados amigos em gozações e pilhérias intermináveis.  O que a outros pode parecer uma espécie de bullying, aos verdadeiros amigos nada mais é do que a demonstração de seu amor perene e incondicional. Digo isso oportunamente, uma vez que tenho visto amizades que não suportam um eventual desencontro na cafeteria. Sim, há amigos e amigos. E, tanto é verdade, que estamos aí até hoje a nos suportar.
                Contudo, devo acrescentar, também comecei assim a fim de trazer à baila uma reflexão incômoda. Eu disse que o Fábio Motta meneia a cabeça. Pois, pasmem – não vi, de fato, o homem menear a cabeça. Explico – eu não estava na presença do amigo. Serei mais claro, visto que, aos dias de hoje, a realidade virtual é mais realidade que a própria realidade. Quero dizer que o menear da cabeça do amigo foi uma visão irreal ou, melhor dizendo, foi uma suposição baseada no comportamento usual do amado amigo. Sim, o Motta não estava ali, à minha frente, balançando a cabeça. Meu amado amigo estava... sei lá onde. Tudo que fiz foi imaginar a reação do amigo baseado em experiência passada. E por quê?
                Outro dia me esvaía em saudades. A pergunta que me fazia era precisamente a seguinte: aos dias de hoje, têm os seres humanos saudade? Percebo, só agora percebo, que envelheci. Direi de outra forma. Não envelheci – de fato, tudo mudou. Antigamente sentíamos saudade. Ainda hoje, ainda agora, sentimos. Olhando os meninos de hoje, me pergunto: têm esses meninos paixão? A resposta é fácil: não há mais saudade, não há mais paixão.
                Outro dia, não sei porquê, liguei para o meu amado e querido Mestre e Amigo, Doutor Lino Antônio Cavalcante Holanda. Viúvo recente, da quase extinta espécie de eternos viúvos que não esquecem o amor a quem juraram amor eterno, ouviu-me parcimoniosamente. E, ao ouvir-lhe a voz, lembrei-me do Doutor Lino de antes, dos tempos da residência médica, a me ensinar, a me orientar, a me indicar o caminho do médico de branco. (Antigamente o médico era de branco.) E senti saudades dele, Doutor Lino Antônio Cavalcante Holanda. Ele estava ali, à mão, na linha telefônica. Por um segundo pensei que ele estava distante. O Amado de antes estava longe, de alguma forma estava longe... mas, não sei se me faço entender, estava, de fato, ali, pertinho de mim... como antes. Se lhe dissesse ali, na bucha, ao telefone: – “Preciso vê-lo, meu Mestre!”, ele teria dito, incontinenti: – “Venha agora, querido discípulo, sem demora”! Falou comigo com aquele amor de antes, amor do Mestre por seu discípulo... E assim desligamos.
                Ao terminar a chamada, seguiu-se o vazio, porque voltei à realidade do hospital onde estava, onde trabalho, um antro de ausência de mestres, um antro de ausência de exemplos... Percebi ali, naquele instante, que meu Doutor Lino estava longe no tempo, mas não em distância. (Einstein ter-me-ia dito que eu entendera perfeitamente o que ele disse sobre a imaginação ser mais importante que o conhecimento.) 
                No fim das contas, misturei tudo o de minha infância, na figura do Fábio Motta, com tudo o de minha essência, na figura do doutor Lino Antônio Cavalcante Holanda, para me conceder a pecha de homem feliz e privilegiado. Sem falsa modéstia, por favor.

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