segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

CONTOS DE TERROR

I

            A senhora chegou ao setor de Emergência com profusa hemorragia. Dir-se-ia uma menstruação fora de época. Aos sessenta e cinco anos, há quase trinta não tinha fluxos. O que seria aquilo?
            O marido, aos seus já quase setenta, estava apreensivíssimo. Pudera! O sangue ensopara duas toalhas e ainda fluía aos borbotões e coágulos. Ambos suavam em abundância, ela em choque hemorrágico, ele em choque nervoso. “Por favor, acudam a minha mulherzinha que já, já ela morre!”, bradava ele inconsolável. Correndo chegaram médicos e enfermeiros.
            Entraram com ela para a sala de exames e ele ficou a sós. Andava de um lado ao outro esfregando as mãos, com a respiração entrecortada e suspirante. Demorava-se ao fitar o teto como a fazer uma prece muda. Como aquilo poderia estar acontecendo? Ela estava muito bem até aquela tarde. Saíra para fazer compras. Magalhães, o motorista, a levara. Houvesse ocorrido algo e ele lhe teria dito. Seria um câncer? Oh, Deus, não podia ser!
            Deitada na maca, estava calma. Uma enfermeira a colocou em posição e retirou-se. O médico aproximou-se e, antes de sentar-se para o exame, ela o interpelou: -“Doutor, foi depois de eu fazer sexo com meu motorista.” Abismado, o médico colocou-lhe o espéculo e pôde verificar a extensa laceração do fundo de saco vaginal.
            Lá fora Abílio, o marido, rezava.

                                                       II

            Lucimar e Albino se amavam. Pretendiam casar. Faziam planos.
            Mas o pai da garota tinha outros. Albino era um pé rapado, dizia. E resolveu tudo num piscar de olhos. Lucimar casaria com Jorge, que era um bom partido.
Era no tempo da jovem guarda.
            Ao pobre Albino restou a decepção. Casou mais tarde com outra pessoa, uma boa amiga. Seu grande amor morrera para si.
            Vinte anos depois – o destino não perdoa – Lucimar avista Albino. Foi no supermercado. Faziam compras. Aproximou-se num misto de surpresa e ansiedade. Temeu tomá-lo por outro. Mas eis que era ele mesmo.
            De parte a parte perguntou-se o de praxe, como vai a vida?, o trabalho?, onde está fulano?, e o casamento?... A intimidade com algumas pessoas não acaba ainda que passem cem anos. Ela confessou: passava por uma crise no casamento. Negócio sério. Por que não combinavam um almoço? Assim poderiam conversar melhor.
            O telefone tocou e Jorge, marido de Lucimar, atende. Do outro lado uma voz masculina foi confessando: -“Fomos ao motel, tua mulher e eu.” Antes de desligar identificou-se: -“Sou eu, o Albino. Lembra de mim?” O outro se lembrava. Ainda deu tempo expor suas razões: -“Não quero nada com ela. Era uma tara que guardei por vinte anos.”
            Chamou a mulher ali mesmo, na hora, o telefone já tocando o sinal de ocupado. Pediu a confirmação da história. Ela nada negou, antes teceu detalhes desde o inesperado encontro até a conflagração do ato. Ele retirou-se sem nada dizer. Sobre o outro ela pensava: “Cafajeste!”
Lá fora o sol brilhava.
            Os dois casais estão juntos até hoje.   

Fernando Cavalcanti, 04.02.2011

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