quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

O ZUMBI

Dizia o poeta que “morrer é apenas não ser visto”.
Se atalharmos pela ideia, há uma penca de zumbis a perambular por aí, mortos que estão para mim. A contrapartida é que, também eu, hei de ser um zumbi para alguém, para vários dos que há tempos não me veem.
Pois, pasmem. Morreu o meu querido e amado amigo Amorim. Sim, sim, acreditem. Mas, calma! Não há de ter sido vítima da morte física, que esta não passa despercebida de todos. Ao se morrer de fato, fisicamente falando, morre-se para todos. A morte física tem data e hora, ao passo que a morte metafórica, à qual o poeta se refere, é imprecisa no espaço e no tempo. Não sei se me entendem... Dirá alguém que qualquer um pode, sim, morrer fisicamente e eu não tomar conhecimento, e estaria certo. Por exemplo, morreu o meu amigo Jussier Figueiredo e só agora fiquei sabendo...
Pois Amorim está vivinho da silva. Se sacar de meu telefone portátil, falo com ele em menos de trinta segundos, acreditem. Apenas sumiu, como se há de concluir após todo esse desastrado introito. E seu sumiço tem muito a ver com um sentimento absolutamente inusitado: o medo. Não há de ser um desses medinhos que se tem... de barata, por exemplo; ou medo de lagartixa ou qualquer outro bichinho inofensivo cuja paga é a repulsa por sua feiura anatômica e/ou estética. O caso de meu amigo é um pavor específico e absolutamente explicável – o homem adquiriu um horror patológico pela vida. Vejam que coisa absurda... É provável que me digam mentiroso ou exagerado, mas, tenham certeza, não é o caso. Diria até que o amigo nutre hoje pela vida uma dessas fobias ferozes e incoercíveis. Podem acreditar, repito... Foi o seguinte.
Há cerca de 3 anos o amigo foi submetido a uma cirurgia cardíaca. O evento prodrômico foi a vetusta e já quase hoje inexistente angina do peito. Quem dela já foi vítima, assegura: é uma dor que se faz acompanhar de sensação de morte iminente com profunda angústia. O amigo foi operado e deu tudo certo. Restou-lhe, de toda essa experiência única e indesejável, o terror.
Ocorre que, depois desta terrível experiência, o amigo não mais sai de casa, não come, não bebe, não namora, não se diverte, não visita a família, não sai com amigos, não viaja, não vai à praia... Diria que só respira. Desde então o amigo tem recusado todos os convites que lhe fizeram para conversas amenas, festas, e tudo que represente a vida em sociedade. Consta que não está trabalhando, ou não estava e, se estava, se encontra presentemente afastado por motivo de doença, um problema no joelho consequência de sua vida de atleta na adolescência. Há apenas um único grupo de coisas que ele se permite fazer: ir a médicos, tomar uma lista enorme de remédios, fazer exames, e falar de doenças e planos de saúde com os eventuais poucos interlocutores com quem fala ao telefone, e apenas ao telefone.
Encurtemos a história que há nela muitas brechas a levar a incertezas. O fato é que há cerca de 3 dias o homem me envia uma mensagem, a qual veio justamente atestar de sua vida biológica. Dizia ela precisamente o seguinte: “Irmão, estou precisando de apoio para o meu candidato estadual. É ele quem está me ajudando... Se puder me dar uma força, ficarei muito grato. Obrigado, Tin Gomes 12600”.
  Estupefato, e desejando que a terra se abrisse num enorme buraco, respondi, hora e meia depois: “É mesmo, meu Irmão? E em que este Tin está te ajudando”?
      Ele respondeu que o tal candidato estaria ajudando com o plano de saúde. Devo enfatizar que o homem saiu ileso de sua grave condição, sem nenhuma sequela, com dano mínimo a seu músculo principal. Não se tornou, portanto, um incapaz, um dependente, um inválido... em que pese o fato de ter tido sua moléstia tratada em hospital público. (Bem se vê que o hospital público tem suas inegáveis qualidades e poder de resolução.)
Minha demora deveu-se única e exclusivamente à minha indignação. Em pleno século XXI, o mundo repleto de oportunidades e de viço econômico, a educação emocional e o preparo disponível para as pessoas se libertarem desse tipo de relação com políticos que nada mais fazem senão cuidar de seus próprios interesses, e um amigo chegado me sai com essa pérola... 
Resolvi ajudá-lo, sim, contribuir para que o amigo não seja tragado pela mesmice do mesmo, pela dependência do voto, pela via mais fácil que de fácil nada tem – não votei em quem me pediu e ainda fiz campanha contra seu patético candidato. Alimento a serôdia esperança de que ele volte à vida... Se fizesse o que me pediu, estaria dando mais uma contribuição para sua auto comiseração e auto piedade.
A propósito, alguém aí poderia me dizer se o tal Tin foi eleito? Detestaria saber que foi...

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