segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

PROLE MALDITA

O garoto de vinte anos, estudante de Direito, angustiava-se com o dilema: contrariar o pai, ou contrariar a mãe. Ainda beneficiário de pensão alimentícia do pai, sofria com a falta de recursos para complementar o pagamento da faculdade particular onde estudava. Por sua vez, a mãe o pressionava a que fosse às barras da Justiça litigar com o pai. Era objeto do amor de ambos e o retribuía a ambos, não querendo desgostar nem a um nem a outro.
            Por alguma estranha razão, não passava pela cabeça da mãe orientar o filho a que fosse conversar com seu pai, de homem para homem, a fim de resolverem a questão de forma altiva, madura, à moda do olho no olho. Ou por outra, isso não lhe passava pela cabeça porque a mãe já tentara do pai a que fizesse o que ela queria, da forma que ela queria, e ele não assentira. Não passava, talvez, pela cabeça da mãe que o garoto pudesse trabalhar, ou que o pai o pudesse ajudar complementando com algum dinheiro para o pagamento da faculdade sem a necessidade da batuta de um juiz. E por quê?
            A mulher é um ser adorável, mas muitas vezes detestável. Tive, infelizmente, a pouca sorte de conhecer mulheres aglutinadoras, diplomatas e diplomáticas, apaziguadoras e sábias. Coube a Salomão decidir com quem ficaria a criança objeto da discórdia visceral de duas mulheres que se diziam sua mãe. Propôs o rei partir a criança ao meio e a cada uma delas dar metade. Descobriu a verdadeira mãe quando esta implorou que se desse à outra a criança, para que não lhe fizessem mal. Uma verdadeira e sábia mãe renuncia a guarda de um filho para não vê-lo sofrer.
Hoje vemos muitas mães lançarem seus filhos em revolta declarada contra seus pais, aparentemente sem terem a noção do que estão fazendo. Não percebem que fazem seus filhos sofrer? Se não percebem é porque elas próprias não tiveram pai, ou, se tiveram, a eles não amaram nem por eles foram amadas. Elas próprias foram vítimas da alienação paterna, talvez. Se percebem e insistem, são detestáveis. Se insistem, estão a patrocinar seu rancor utilizando a quem deveriam proteger da angústia.
            Antigamente a mulher se permitia anular a bem da família. As famílias sofriam da relação perde-ganha entre a mulher e seu marido. Ao contrário, hoje as mulheres querem ganhar. Nada mais justo. Todos querem ganhar. É lícito. Entretanto, elas querem uma nova modalidade: a relação ganha-perde. Invertem-se os papéis. Melhor dizendo, a mulher quer ganhar para que o outro, o marido - que já nem o é mais - perca. E, para o outro perder, custe o que custar. Rolam-se as cabeças da prole. Não pensam na possibilidade de uma relação ganha-ganha. Pode haver algo mais insensato? Pode haver algo mais continuista e a lembrar a antiga relação imposta pelo senhor marido todo-poderoso?
            A mulher desabraçou a família. Digo melhor, porque assim parece que estou a defender a submissão feminina: a mulher quer ser reconhecida por outros valores, quer ser independente, e não mais quer ser o saco de pancadas da família. Quer trabalhar, contribuir com idéias, comandar, liderar, ser alguém. Nada mais natural. Nada mais justo. O estado anterior da mulher foi cria das religiões, que a condenaram sem dar-lhe o direito de defesa. Como cada vez mais se questionam as religiões, a mulher passou a exigir sua absolvição da culpa inexistente. E é também natural que o fizesse com certo ímpeto, certa pressa, certa violência e exasperação. Afinal, são séculos e séculos de escravidão e subserviência. Quem duvidar do que afirmo, vá à Somália ou à Arábia Saudita, ou a qualquer outro lugar onde, ainda hoje, a mulher é menos que nada. Quem duvidar do que digo, leia o relato de Ayaan Hirsi Ali em seu livro My Life, e terrifique-se com os relatos lá contidos sobre sua trajetória de vida num país miserável, onde os costumes são ditados pela religião, até sua atividade política no parlamento holandês.
            Ora, a mulher ocidental se emancipou. No Brasil, onde a marca do atraso ainda persiste nas mentes mais brilhantes do país, à mulher foi permitido votar apenas a partir de 24 de fevereiro de 1932, e ainda somente com a autorização do marido, para as casadas. O voto feminino passou a ser obrigatório em 1946, há 63 anos. Ainda hoje há quem queira impor à mulher deveres monstruosos que só suas vítimas podem aquilatar. Em suma, ainda hoje, ser mulher não parece uma tarefa fácil. E aqui é que me pergunto: se é tão difícil ser mulher, por que a sabedoria não vem para a maioria delas? Por que ainda são capazes de atitudes tão estúpidas? Por que não percebem que ao atingirem seus ex-cônjuges, atingem, colateralmente e com mais intensidade e mais severos danos, a seus supostos amados filhos?
            O pai, após conversar com seu filho, se sensibilizou e complementou os recursos para a faculdade de seu próprio bolso, de acordo com suas possibilidades, e deitando-lhe no espírito a consciência da necessidade de começar, ele próprio, a ganhar o seu próprio dinheiro.
Neste país de mentes brilhantes abomina-se o trabalho. A classe média e os abastados deploram o trabalho. O que eles gostam é do status da posiçãoou do diploma. O único trabalho que permitem a seus filhos é quando os mandam para a América. Lá são frentistas em postos de gasolina, ou garçons, ou coisa que o valha. Afinal, é na América. Não permitem que aqui seus queridos filhos sirvam às forças armadas. Fosse possível, os mandariam à América para servir no exército ianque. Afinal, é na América. Na América dá status, tem glamour, é chique, sinal de qualquer coisa que não somos ou não temos por aqui.
É possível que a mãe do garoto não quisesse vê-lo trabalhando. O pai, um self made man, não o reprovaria ao trabalho. É coisa da mãe, egressa da classe que não é mas quer ser. Quer ensinar ao filho lição errada sobre a vida. Quer atingir o pai em sua vingançazinha menor, para aplacar sua frustração por sua derrota pessoal. Tem a auto-estima da altura de uma gilete deitada, e exige que seu filho pague por isso.

Fernando Cavalcanti, 21.10.2009  

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