Relutei cá comigo. Pensei: vou escrever. No segundo seguinte desisti.
O diabo são meus sentimentos, indignação contida e – o pior – os amados amigos a protagonizar atitudes advindas de idéias estapafúrdias. Devo recordar a mim mesmo a celeuma em que me entremeei há pouco. Uma querida amiga enfureceu-se comigo porque tive o disparate de escrever sobre sua idéia, que eu considerava absurda. Mas, o que faço com esta sensação de embasbacamento? com essa fissura no juízo que já perdura ao menos três dias? que não arreda o pé de minha cabeça desde o momento exato em que se dava o infortúnio da cena e dos débeis diálogos?
Eu sei bem o que faço – deito tudo ao papel. Com quem temos embates? Com quem amamos, com quem nos importamos. Não se perde tempo em arranca-rabos com estranhos. Não damos a mínima para estes. Se formos espertos o bastante, para estes guardamos o pior pensamento e a pior lembrança; talvez retruquemos um ou outro xingamento numa ida ao toalete.
Um amigo me escreve uma mensagem dando conta de uma festa em famoso e estiloso clube social da cidade. Seria uma festa nostálgica, com músicas antigas, do nosso tempo adolescente. Quem desfrutou uma gostosa, rica e amorosa adolescência já se vê fazendo uma viagem ao glorioso passado. A dita mensagem estava endereçada a outros amigos dos gloriosos tempos, e fazia uma convocação para o que seria um encontro especial. Não contei pipocas – confirmei incontinenti minha presença e estendi o convite a outras mais recentes amizades. Pensava comigo: vai ser uma noite e tanto!
Serei breve.
Nenhum dos amigos convidados a princípio foi à festa e os que foram não se demoraram mais que uma hora. E me imputavam uma culpa qual a culpa que se imputa ao bebê que faz cocô às fraldas. Tudo porque julgavam que a festa estava “misturada”. Eu explico. Tenho amigos estrangeiros que, embora leiam português, não compreendem perfeitamente algumas sutilezas de nossa língua madre. Usarei o exemplo da própria festa.
Uma festa misturada é aquela em que existem pessoas de vários estratos sociais. Embora o ingresso custasse trinta reais, vários estratos sociais estavam lá representados. Eis aí tudo. Minha culpa? Suponho que seja a de ter pensado em estar com amigos me divertindo a valer com as músicas de nossa geração sem importar quem lá estivesse. Com tamanha falta, a punição veio à altura: ou saíamos a outro lugar ou ficasse eu em minha frustrada expectativa da chegada de meus antigos asseclas.
Fomos a um lugar “de nível”, a freqüência “de nível”, o atendimento “de nível”. À mesa ao lado uma confusão só não acabou em sopapos porque... nem sei! Em busca de cadeiras para sentar, o dono do estabelecimento quase nos enxota a mim e a meu amigo porque fomos procurá-las em local reservado. Nem quis saber qual nosso problema em seu estabelecimento, nem mostrou interesse em nos ajudar. Os garçons quase não nos atendem e ainda quase nos roubam.
A manchete do jornal O Povo de hoje: “Prepare-se. Fortaleza vai começar a mudar”.
Será? Não se mudam primeiramente as mentes?
Fernando Cavalcanti, 12.07.2010
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