segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

MOCINHAS E RAPAZINHOS

Ora, vejam só o que me apronta o Zé. Até agora, após duas horas de ler-lhe o texto em que disserta muito bem sobre nossa confraternização de ontem, estou aqui encafifado. Tentemos pôr às coisas mínima ordem para que não haja mal-entendidos.
            Disse o J.J. Rousseau que, em seu estado natural, todos os homens eram iguais. Sabe-se que, hoje, longe está o homem de seu estado natural. O caso fica, então, fácil à discussão. Se impera desde há muito a diferença entre todos os homens e entre cada um entre si, nada mais natural do que as diferenças. O que era natural já não o é, portanto.
            O Zé diz que “o presidente Fernando Cavalcanti (que por sinal estava um rapazinho!!), etc. etc. etc....” Atentem para a dupla exclamação do querido e amado amigo.  Penso: que será que o Zé quis dizer com isso? Não me saem da cabeça as exclamações do Zé. Ainda não entremos a dissecá-la.
            Não sei se sabem, mas, certa vez, o meu querido e amado amigo Moreira tornou-se vítima da franqueza de meu outro querido e amado amigo Brasinha. Foi o seguinte. Ao reencontrar o Moreira após um alargado lapso temporal, olhou-o nas fuças, bem ali diante do amigo e, sem meias palavras, fuzilou: - “Vixe, Moreira, tu estás acabado!”
            Vejam agora como o destino nos reserva pérolas e pedregulhos. Há aqui, quero crer, entre a franqueza voraz do Brasinha e o elogio jocoso do Zé, uma dessemelhança brutal. E é justamente essa diferença que me deixa aturdido. Deveria eu me chegar mais às formas do Moreira ou às do “rapazinho” com o qual o Zé me comparou? Há, de fato, uma diferença entre o “acabado” e o “rapazinho”? E aqui dissequemos a dupla exclamação do Zé.
            Todos sabem que, por mais próxima que seja a palavra falada da palavra escrita, nunca esta dirá das nuances e entonações daquela. Fica, por conseguinte, pairando no ar uma dúvida esmagadora sobre as exclamações que se escrevem. As do Zé não seriam uma exceção. Pergunto novamente, do alto de minha mais completa ignorância: que terá querido dizer o Zé? Se se referiu aos meus vestidos, há como mudar; se aos meus sestros, também. Entretanto, se o amigo se refere ao excesso ou à falta de marcas do tempo, haverá como mudar? Talvez.
            Por exemplo, vejam o Moreira. É um sujeito sadiíssimo. Tornou-se precocemente um grisalhão, e apenas isso. Por lhe recobrir a branca tez, o homem aparenta mais idade. Fosse retinto nada disso lhe teria ocorrido. Preto que pinta, três vezes trinta, diz o provérbio. Conclui-se, portanto, que uma tintura bem poderia ter salvado o Moreira da franqueza bisonha do Brasinha.
            Ao rapazinho a que se refere o Zé bastaria deixar a cabeleira mais avolumada que lhe apareceriam as têmporas repletas de fios brancos. E melhor assim, visto que em outros a calvície domina o triste cenário. Sofre ainda o rapazinho da necessidade de quem lhe façam tosas a períodos regulares, se quiser continuar "rapazinho".
            O diabo é que – e o Zé bem o sabe – na mente perdura ainda o vigor do viver e do fazer; a vontade de enfrentar os desafios e de aprender; viceja ainda o rapazinho que aqui estava há trinta e um anos. E mais. Por isso nos encontramos para festejar, os rapazinhos e as mocinhas, todos repletos e transbordando de vontade, de força, de amor, de desejo de permanecer. Por isso ontem acontecemos novamente, em corpos mais gastos, porém mais sábios, mais homens, mais mulheres. Por isso dizia ontem o professor Felipe: -“Ainda vejo vocês como os via há trinta e um anos!”
            Mudamos. Rapazinhos e mocinhas beirando os cinqüenta. E daí? “Tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta, é o coração tranquilo".

"Viver é afinar o instrumento
De dentro pra fora
De fora pra dentro
A toda hora
A todo momento"...

Fernando Cavalcanti, 28.11.2010      

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