São três as
principais causas do inferno em que se tornou o Instituto Dr. José Frota (IJF)
– Unidade Central. Alguém há de achar que exagero.
O inferno é um
lugar desconhecido, é verdade. Que se saiba, ninguém jamais lá esteve. É bem provável
que não exista de fato. Se existir, será o IJF. Ele é suplício para os
pacientes e para seus funcionários. Arrisco até dizer que representa também um
suplício para seus gestores, para a classe política municipal e para o
ministério público. Em suma, o IJF é nosso grande problema, nosso grande carma.
Para
quem não lembra, transcrevo do Aurélio o que seria carma: lei segundo a qual o homem está sujeito à causalidade moral
e, portanto, todas as ações, boas ou más, geram reações correspondentes que retornam
àquele que as praticou nesta vida ou em encarnações passadas, e determinam seu
aperfeiçoamento ou sua regressão. Portanto, como o IJF tornou-se um inferno,
sendo o inferno o clímax da punição e do sofrimento, ele representa a paga por
más ações passadas, praticadas por todos aqueles atormentados neste inferno:
pacientes, funcionários, gestores e políticos do município desta decadente
Fortaleza. Dito de outra forma, todos têm sua parcela de responsabilidade sobre
o inferno em que se tornou o IJF, e somente todos
juntos, cada um cumprindo o seu devido papel nesta equação, poderão algum dia
transformá-lo naquilo a que se propõe.
Dizem
os sábios que problema não se administra nem se carrega ao longo da vida;
problema se resolve, se enfrenta, se neutraliza, se soluciona. O IJF tem sido,
já há muito tempo e por longo tempo, o problema que se administra e se carrega
como um piano às costas. De todos os responsáveis pelo bom funcionamento do
hospital, ninguém até agora foi capaz de fazer a sua parte. E – pior – é
provável que esta seja uma situação em que os bons frutos só apareçam quando
aplicado o princípio do tudo-ou-nada. Todos, sem exceção, devem fazer a sua
parte simultaneamente. Caso contrário, inferno, inferno e inferno.
As
causas? Primeiro, as prefeituras do interior, cujo melhor hospital é a
ambulância. Não têm hospitais que tratem nem uma broncopneumonia. Não costumam
ter médicos. Não costumam ter recursos. Não costumam ter médicos no programa de
saúde da família. Não costumam ter remédios. Ou seja, no interior nada parece
funcionar em matéria de saúde. O hipertenso segue hipertenso e vem bater às
portas do IJF com seu acidente vascular cerebral hemorrágico. Não é a exceção –
é a regra. Quem pode obrigar os prefeitos a cumprir seu papel? Não parece haver
quem possa.
Segundo,
a violência que grassa na sociedade. Nossa grande favela parece servir apenas
para ser objeto do “apoio” do político que a loteia para angariar seus tão
preciosos votos na próxima eleição. O assistencialismo redunda na ignorância,
no analfabetismo político, no analfabetismo funcional, no analfabetismo da
ambição que empreende. Daí a mais um passo está o crime e o tráfico de drogas
ilícitas com seu falso glamour na ilha high
society, enquanto o crack subjuga os miseráveis da periferia. É uma
fornalha a gerar mais e mais violência. Uma sociedade cada vez mais
imbecilizada não valoriza a ordem, as instituições, o outro. Nada tem valor. A
vida do outro nada importa. O hospital passou a ser depósito de nossa tralha
social, com criminosos atendidos ao lado de suas vítimas. Dentro do hospital há
tráfico, roubo e agressões a funcionários. Ninguém está seguro. A Emergência já
foi palco de tiroteio.
Terceiro,
o aviltamento dos profissionais de saúde que trabalham no IJF. A desumanização dos
profissionais por parte da prefeitura de Fortaleza é a marca notável da atual
administração. Negociações arrastadas para a implantação de planos de cargos e
carreiras, palavras e promessas não cumpridas, má vontade explícita, menosprezo
declarado são as mais gritantes evidências do tipo de trato escolhido pelo
gestor público para com os funcionários do IJF. Acumula-se mais e mais rancor,
inviabilizando acordos e minando a credibilidade. Eu diria que a questão
salarial é muito importante, mas o destrato e o maltrato ergueram muros enormes
a separar o poder público da empatia e zelo de seus funcionários no IJF.
Durante certo tempo, e ainda hoje, muitos funcionários receberam salário
elevado, por força judicial. Nem assim estavam satisfeitos por trabalhar na
instituição IJF. O sentimento de mágoa e tristeza pela maneira como as
negociações haviam sido conduzidas plantaram em seus corações a mancha da
inimizade e do ranço. As humilhações impostas são inesquecíveis. Os gestores
mostraram-se a anos-luz da moderna administração e liderança.
Bem
se vê que estamos muito longe de uma solução para o IJF. O problema das
prefeituras do interior parece ser insolúvel, até porque eles não se consideram
um problema. O IJF para eles é um céu, provando certa a relatividade de
Einstein. Recentemente, matéria publicada em jornal local anunciou em letras
garrafais: 43% dos pacientes do IJF vieram do interior do Ceará ou de outros
estados. Eles devem estar economizando um bocado.
A
violência é conjuntural. Não há educação nem oportunidades de qualidade. Ainda
há quem acredite que é o Estado, e não a livre iniciativa, quem pode tirar o
povo da miséria. Daí o nosso pseudo-capitalismo e nosso real socialismo
incompetente, e daí o nosso atraso e falta de expectativas para nossos jovens.
Mesmo na imprensa ainda há jurássicos defensores do assistencialismo estatal.
Aliado ao Estado que provê sem prover de fato está o Estado que não pune o
criminoso que não educou. Assume sua responsabilidade sobre seus crimes e por
isso lhe é brando ao punir. Negou-lhe a oportunidade. É seu cúmplice, pois não?
A
lida da prefeitura com os servidores do IJF selou o fim inexorável de um namoro
que poderia resultar em casamento, não fosse a truculência da noiva. Quando se
amassa uma folha de papel, não é mais possível torná-la lisa como antes. Assim
é o coração do homem. Ao amassá-lo criam-se as arestas mais indeléveis. Tudo
estará perdido. Há filmes que não têm um final feliz. Temo que este seja um
deles.
C. Amorim, 29.10.2009
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