segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

O INFERNO DO IJF


       São três as principais causas do inferno em que se tornou o Instituto Dr. José Frota (IJF) – Unidade Central. Alguém há de achar que exagero.
O inferno é um lugar desconhecido, é verdade. Que se saiba, ninguém jamais lá esteve. É bem provável que não exista de fato. Se existir, será o IJF. Ele é suplício para os pacientes e para seus funcionários. Arrisco até dizer que representa também um suplício para seus gestores, para a classe política municipal e para o ministério público. Em suma, o IJF é nosso grande problema, nosso grande carma.  
            Para quem não lembra, transcrevo do Aurélio o que seria carma: lei segundo a qual o homem está sujeito à causalidade moral e, portanto, todas as ações, boas ou más, geram reações correspondentes que retornam àquele que as praticou nesta vida ou em encarnações passadas, e determinam seu aperfeiçoamento ou sua regressão. Portanto, como o IJF tornou-se um inferno, sendo o inferno o clímax da punição e do sofrimento, ele representa a paga por más ações passadas, praticadas por todos aqueles atormentados neste inferno: pacientes, funcionários, gestores e políticos do município desta decadente Fortaleza. Dito de outra forma, todos têm sua parcela de responsabilidade sobre o inferno em que se tornou o IJF, e somente todos juntos, cada um cumprindo o seu devido papel nesta equação, poderão algum dia transformá-lo naquilo a que se propõe.
            Dizem os sábios que problema não se administra nem se carrega ao longo da vida; problema se resolve, se enfrenta, se neutraliza, se soluciona. O IJF tem sido, já há muito tempo e por longo tempo, o problema que se administra e se carrega como um piano às costas. De todos os responsáveis pelo bom funcionamento do hospital, ninguém até agora foi capaz de fazer a sua parte. E – pior – é provável que esta seja uma situação em que os bons frutos só apareçam quando aplicado o princípio do tudo-ou-nada. Todos, sem exceção, devem fazer a sua parte simultaneamente. Caso contrário, inferno, inferno e inferno.
            As causas? Primeiro, as prefeituras do interior, cujo melhor hospital é a ambulância. Não têm hospitais que tratem nem uma broncopneumonia. Não costumam ter médicos. Não costumam ter recursos. Não costumam ter médicos no programa de saúde da família. Não costumam ter remédios. Ou seja, no interior nada parece funcionar em matéria de saúde. O hipertenso segue hipertenso e vem bater às portas do IJF com seu acidente vascular cerebral hemorrágico. Não é a exceção – é a regra. Quem pode obrigar os prefeitos a cumprir seu papel? Não parece haver quem possa.
            Segundo, a violência que grassa na sociedade. Nossa grande favela parece servir apenas para ser objeto do “apoio” do político que a loteia para angariar seus tão preciosos votos na próxima eleição. O assistencialismo redunda na ignorância, no analfabetismo político, no analfabetismo funcional, no analfabetismo da ambição que empreende. Daí a mais um passo está o crime e o tráfico de drogas ilícitas com seu falso glamour na ilha high society, enquanto o crack subjuga os miseráveis da periferia. É uma fornalha a gerar mais e mais violência. Uma sociedade cada vez mais imbecilizada não valoriza a ordem, as instituições, o outro. Nada tem valor. A vida do outro nada importa. O hospital passou a ser depósito de nossa tralha social, com criminosos atendidos ao lado de suas vítimas. Dentro do hospital há tráfico, roubo e agressões a funcionários. Ninguém está seguro. A Emergência já foi palco de tiroteio. 
            Terceiro, o aviltamento dos profissionais de saúde que trabalham no IJF. A desumanização dos profissionais por parte da prefeitura de Fortaleza é a marca notável da atual administração. Negociações arrastadas para a implantação de planos de cargos e carreiras, palavras e promessas não cumpridas, má vontade explícita, menosprezo declarado são as mais gritantes evidências do tipo de trato escolhido pelo gestor público para com os funcionários do IJF. Acumula-se mais e mais rancor, inviabilizando acordos e minando a credibilidade. Eu diria que a questão salarial é muito importante, mas o destrato e o maltrato ergueram muros enormes a separar o poder público da empatia e zelo de seus funcionários no IJF. Durante certo tempo, e ainda hoje, muitos funcionários receberam salário elevado, por força judicial. Nem assim estavam satisfeitos por trabalhar na instituição IJF. O sentimento de mágoa e tristeza pela maneira como as negociações haviam sido conduzidas plantaram em seus corações a mancha da inimizade e do ranço. As humilhações impostas são inesquecíveis. Os gestores mostraram-se a anos-luz da moderna administração e liderança.
            Bem se vê que estamos muito longe de uma solução para o IJF. O problema das prefeituras do interior parece ser insolúvel, até porque eles não se consideram um problema. O IJF para eles é um céu, provando certa a relatividade de Einstein. Recentemente, matéria publicada em jornal local anunciou em letras garrafais: 43% dos pacientes do IJF vieram do interior do Ceará ou de outros estados. Eles devem estar economizando um bocado.
            A violência é conjuntural. Não há educação nem oportunidades de qualidade. Ainda há quem acredite que é o Estado, e não a livre iniciativa, quem pode tirar o povo da miséria. Daí o nosso pseudo-capitalismo e nosso real socialismo incompetente, e daí o nosso atraso e falta de expectativas para nossos jovens. Mesmo na imprensa ainda há jurássicos defensores do assistencialismo estatal. Aliado ao Estado que provê sem prover de fato está o Estado que não pune o criminoso que não educou. Assume sua responsabilidade sobre seus crimes e por isso lhe é brando ao punir. Negou-lhe a oportunidade. É seu cúmplice, pois não?
            A lida da prefeitura com os servidores do IJF selou o fim inexorável de um namoro que poderia resultar em casamento, não fosse a truculência da noiva. Quando se amassa uma folha de papel, não é mais possível torná-la lisa como antes. Assim é o coração do homem. Ao amassá-lo criam-se as arestas mais indeléveis. Tudo estará perdido. Há filmes que não têm um final feliz. Temo que este seja um deles.

C. Amorim, 29.10.2009

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