segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

UMA MÁ NOTÍCIA

Na última sexta-feira o meu amigo Amorim foi assaltado por dos mais atrozes temores que um ser humano possa suportar. Todos sabem que ele é daqueles sujeitos cuja irresponsabilidade e leveza no viver são características redundantes. Não dá muita bola a preocupações e problemas. O que tira o sono do mais simples mortal não faz o menor efeito no dileto amigo. De fato, chega a ser irritante o descompromisso e descaso com que ele nos ouve as queixas e lamentos. Muitos já o descartaram como confidente, sendo a única vantagem de tê-lo como tal a notória discrição do homem. Se resolver confidenciar-lhe um segredo, dorme-se tranqüilo.
            Pois, como já disse, toda essa ginga comportamental sumiu antes de ontem e deu lugar a intensas lucubrações e preocupações. Não é pra menos. Não me lembra agora exatamente se o homem corria risco de ser engaiolado ou se, além disso, viria a perder muito dinheiro. Ainda que muito aprecie o vil metal, não se importa de perdê-lo, desde que não lhe toquem a liberdade. Com efeito, temia ser preso.
            O caso é o seguinte. Na última sexta saiu no jornal a notícia de que um determinado cidadão foi condenado a pagar dez mil reais à ex-sua noiva. Ele a abandonou há doze anos na porta do cartório alegando que não mais casaria. Motivo: ela não mais seria virgem. A estória ganhou a pequena cidade do interior e ela se viu difamada. Não ficou claro se o processo foi por difamação e calúnia, ou se pelo abandono em si.
            Eu sei, eu sei, não dá pra adivinhar onde entra o Amorim nessa estória. O que alguns não sabem é que ele, Amorim, protagonizou uma semelhante. Há não sei exatamente quanto tempo nosso querido amigo abandonou a noiva ao relento, tendo antes o cuidado de pejá-la. Convites enviados, buffet contratado, vestidos e figurinos prontos, imóvel mobiliado à espera dos enamorados, lua-de-mel preparada - tudo em vão. Desde então ela nutre por ele, ao que consta de seu próprio relato, um ódio e um amargor apimentados. O veneno é tanto que serviu também a nutrir a filha, banhada no ventre materno durante quase toda sua formação, da química maligna do ranço e da decepção, tendo continuado a receber outras cavalares doses já a partir da luz do nascimento.
            Temia agora o Amorim um processo igual. Em que pese a lonjura do tempo, passou-lhe pela cabeça a assustadora possibilidade. Não pensou que pudesse prescrever a desfeita. É bem verdade que não a difamou, como fez o outro. Nem sequer lhe deu explicações, se bem me lembro. Sabia que a submetera à vergonha do abandono, e horrorizava-se com uma possível intervenção judicial que o obrigasse a reparar o erro. A notícia do jornal abria um precedente perigoso.
            O homem da notícia era humilde, do interior; Amorim era bem mais abastado, tem posses, vive de renda. Imaginava quanto seria a sua multa, perdendo a eventual causa. Corrigidos os juros e atualizado o valor, supunha a sua pena uma pequena fortuna. Desde sexta ele esfrega as mãos e tenta disfarçar a apreensão.
            Os amigos servem para quê, afinal? Disse-lhe que o visitaria sempre, se preso fosse, mas que não teria dinheiro para emprestá-lo se fosse condenado a pagar qualquer quantia. Além do mais, ele bem podia vender alguns bens para quitar sua eventual dívida. Sobre isso não quer nem ouvir falar, e lembrou o que diz o Falcão: dinheiro não é tudo, mas é cem por cento.

Fernando Cavalcanti, 18.01.2011

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