segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

OUTRA LIÇÃO

Já vai o dia, que prometia findar com a cheia lua, a barra e o nascente repletos de nuvens – feio e melancólico vai-se o dia; feia, escura e apagada vem a noite. Lua cheia é sempre uma paisagem deslumbrante, que nos faz perder o fôlego e o juízo. O céu estrelado que a acompanha só não é mais pujante por conta das luzes da cidade que o ofuscam. Assim, não apareceu a lua cheia, encoberta por tristonhas nuvens; mais um pouco e verteram as águas que as escureciam. Deu-se exatamente com este céu o que me entristecia a alma; deu-se exatamente com as ruas molhadas o que me banhou os olhos...
            Conversei ontem ao telefone com o meu recente amigo de amadoras cordas, o Albernaz. E – preciso dizer – como é uma pessoa diferente! É um homem sensível, culto, amante das artes, apaixonado por uma donzela com quem foi casado e que mora distante. Numa conversa de quinze ou vinte minutos confessou-me o Albernaz seus dramas, sua vida e seus pecados. Vamos e venhamos – não é sempre que se tem à mão, livre de todas as restrições da alma, um ser humano tão belo. Nosso entabulamento só não foi mais longe por conta da inconveniente chegada de almas toscas. Foi então que compreendi como somos pusilânimes. E – trago a mim toda culpa – como sou tolo! Deixo-me noites a fio aos ventos superficiais das almas menores que são a maioria, e que nada me acrescentam, nada me ensinam. Corrijo – acrescentam-me a diminuição do caráter – ou, para não ser tão duro, somam-me o nada que não me lapida. Em nada contribuem ao meu crescimento.
            Meu já amado, tão precocemente amado, amigo Albernaz me imprimiu na combalida alma um novo sentido, uma esperança, um alívio. De tantas dores do convívio, das algias das doações mais cristalinas, da morte dentro de mim de algo que julgava eterno enquanto vivesse, reergueu-me e aliviou-me o amigo Albernaz. Há, enfim, uma esperança para mim, que padeço mais uma vez da cefaléia da frustração dos tolos.
            Desolada fica a mais íntima consciência quando da constatação da pequenez de alguns supostos amigos. Dão-se à vida sem o devido preparo, sem a devida busca da temperança e coragem. Saem por aí sem o devido conhecimento de si mesmo, ou, se com ele, sem a aplicação dos devidos remédios à sua alma torpe. Ficam a perder-se em ninharias e possessões mínimas, em imbecilidades atrozes, em paixões menores a fomentar seus vícios, cultuando ambíguos e pequenos valores. Por trás de sua falsa sabedoria perfila-se inabalável sua ignorância que seus atos denunciam. E eu – ah, como sou tolo! – a lhes amar à toa!
            Ainda assim devo às intempéries da vida, ou à minha própria disposição do caráter, o asco que me vem à alma aos tipos que me caluniam. Se certo ou errado Deus há de julgar. Sou apenas um ser humano constrangido de meus vícios buscando alguma virtude na maturidade, se já não for tarde.
            Fica-me a lição, mais uma. Em Albernaz hei de ter um amigo mais em conta, cuja alma acalenta as mesmas possibilidades e pretensões, sentimentos e emoções. Não perderei meu precioso tempo com amizades diminuidoras.


Fernando Cavalcanti, 26.07.2010 

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