segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

COBRANÇAS

Cinqüenta e três mensagens me chegaram à noite de Natal e outras tantas ao dia seguinte. Ainda outras chegaram aqui e ali no interregno da semana seguinte. Contem-se também ligações e mensagens por correio eletrônico. Estou devendo a todas uma resposta. Não respondi a qualquer uma delas. Estou em falta com todas essas pessoas. Sou obrigado a presumir que muitas delas estão alimentando reservas para comigo.
            Ontem uma linda e querida amiga me enviou mensagem queixando-se que dela esqueci na noite de ano novo. Outra me cobrou uma ligação que não fiz “para agradecer”. Devo, mais uma vez, presumir que devo algo. Em suma: devo, não nego; pago quando puder. Pensei a princípio dizer que nada devo, mas seria uma petulância de minha parte. Quem não deve algo? É o que me pergunto. Cobram-se amor, atenção, zelo, lembrança, agradecimento, e toda sorte de sentimento e atitude imaginável.
            Em minha defesa declaro em alto e bom som: amo todos vocês com a fibra mais intensa da profundeza de minh’alma. A todos sou grato e reconheço tudo que eventualmente tenham feito em prol de meu crescimento e autoconhecimento. Receio apenas que, cada vez mais, eu esteja necessitado das relações reais em algum detrimento das virtuais. Para terem uma idéia, vejam o que acontece. Como todos devem saber, aproximam-se as eleições da Unimed Fortaleza. E o que ocorre? Recebo telefonemas de amigos que nunca – ou quase nunca – me ligam. Somos mais amigos no plano virtual dos cabos e ondas físicas que no contato da palavra dita na bucha, na lata, ali no bar da esquina ou no boteco da praia. Se deles cobrasse que evitassem essa demonstração incauta e pouco polida de interesse em meu voto para a consecução de seus objetivos, me faria um poço de amargura e ranço. E minha leveza – erguida a custo de transformações viscerais que a vida sugere – não me permite essa pouco inteligente reação. Nem reativo ainda sou. Não mais. Nunca mais.
            O que quero dizer é que quero encontrá-los em regime de urgência. Preciso vê-los, abraçá-los, trocar consigo ainda que sejam umas poucas palavras. Preciso, necessito, anelo beijar-lhes a face, sentir-lhes o cheiro, estar juntos em silêncio pelo simples prazer de estar. Hão de me entender. Ainda que assuma uma modernidade necessária, não me adeqüei à distância das relações virtuais. Confesso que sua aparente durabilidade me traz a sensação e a nítida percepção da enormidade da distância que nos separa. Quem pode ser feliz assim? Que mensagens de festas de fim de ano podem aplacar minha saudade de vocês? Que resposta posso dar-lhes que não seja a confissão assinada do vazio que suas ausências têm me causado? Não vejo outra possibilidade: as mensagens estão a servir a uma tradição superficial e destituída de pujança. Recuso-me a fomentá-la.
            Sei, sei, sou co-responsável. Não pretendo responsabilizá-los somente. Faço o mea-culpa. Em troca, deixo esta confissão - muitas vezes o passo mais difícil. Quando o distanciamento contamina uma relação, a reaproximação é o ônus mais pesado e freqüentemente um passo jamais dado. Este ano perdi um amigo para a eternidade. Estou em sua lista de amigos num desses sites de relacionamento. Quando ele partiu já havia um longo tempo que não nos encontrávamos. Continuo lá em sua lista. Mas jamais o verei novamente. Não sei o que estávamos esperando. Nossa amizade continua virtual. Mas ele não existe mais. Fomos estúpidos.

Fernando Cavalcanti, 10.01.2010       

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