segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

EGO FERIDO

Ah... como é feroz um ego ferido!
            Nunca até então estivera diante de um leão faminto, uma fera incontrolável, um carnívoro incoercível! Foi a primeira vez. E, como para tudo sempre há uma primeira vez, estávamos lá, face a face, a fera e eu.
            Diante de tantos testemunhos e tantos conselhos, eu devia estar em meus últimos momentos de vida. Cara a cara com a morte lutava para organizar meus pensamentos, e focar no que fosse possível de me oferecer um mínimo de chance de sobreviver. Tantas e tantas estatísticas me condenavam. Era viver ou viver.
            O monstro não era um leão, como há pouco sugeri, nem outro de seus súditos. Era um ego, simplesmente um ego, um ego ferido.
            Antes fosse um leão solitário, ou em bandos famintos, ajuntadas as fêmeas. Era um ego, um ego ferido.
            Esbravejava.
            Vociferava.
            Rosnava.
            Mesmo eu, que há anos pensava no que faria caso esse momento se concretizasse – tenho facilitado -, me vi atarantado ante as adensadas possibilidades. Decepcionava pessoas, frustrava amigos, mas me mantinha de pé. Não sabia até quando, mas seguia ileso e firme.
            O ego me queria subjugar, me subverter. Suas lamentações e lágrimas se amiudavam, tentando me fazer dobrar os joelhos, me cooptar.
            Resisti. Persisti.
            Examinei minha consciência, me despi de mim mesmo. Olhei-me ao espelho. Ouvi a voz do silêncio de meu lar. Desliguei todos os rádios, e sons, e novelas, e telejornais, e telefones. Mesmo meu violão emudeceu.  Fiquei só, incomunicável. Deitei meu silêncio no travesseiro ao lado. Conversei com ele. Fechei os olhos na mais espessa escuridão da alma. Nem as sombras das luzes da rua penetravam em meu cubículo. A memória já me espicaçava como um prurido incontrolável. O ego ainda lutava em sua jaula para me atingir, para me ferir.
            Como é feroz o ego ferido!...
            Por mais que se tente amansá-lo, amestrá-lo, adocicá-lo, será tudo em vão. Não aceita menos que a corrupção, a mesma que o tornou este enorme e imbatível ego. Há que se vender vergonhosamente a seus escrúpulos e vaidade para lhe angariar a simpatia, para os que se lhe rendem.
            Teria que me matar se visse crescer em mim o vírus monstruoso da concupiscência. Teria de me destruir antes de perpetrar a torpe seqüência do decantado efeito das práticas políticas vigentes. Desejaria nunca existir a sucumbir ao ego ferido que me amedronta os dias.
            Rosna como um leão o ego ferido... Ouço-o bem perto, ao pé da orelha.

Fernando Cavalcanti, 21.05.2010            

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