segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

NITERÓI E DE VOLTA AO RIO

Nunca se vem – ainda cá estou – a Niterói. Sempre se vem ao Rio. O diabo é que o estado tem o mesmo nome da cidade, já que se chamou o lugar de Rio de Janeiro porque era janeiro e parecia ser a foz de um rio.
            No tempo da Guanabara, o estado, quando se dizia “Vou ao Rio!” estava-se querendo dizer que se ia à cidade (então) maravilhosa. Hoje ainda é assim, mas não tanto assim; há metáforas e outras figuras de linguagem a nos confundir. (O avião taxia.)
            Tenho parentes em Petrópolis, amigos em Itaperuna e Niterói, conhecidos em Campos, sócios em Macaé, e todos dizem:- “Moro no Rio.” Ninguém está mentindo, mas também ninguém está falando a verdade. Antes todos vinham ou iam (o avião já está a voar) ao Rio.
            Pasmem, então: vim a Niterói. Antes de embarcar, na vinda, meu filho me ligou e eu lhe disse: -“Vou ao Rio.” Ele certamente está crente que vim ao Rio que era a antiga Guanabara. Esqueci de lhe detalhar meu destino final. Aliás, não se vai a Niterói pelo ar (o avião já voa há 20 minutos) sem ir ao Rio da ex-Guanabara. Estou certo de que ao desembarcar de volta em cerca de duas horas e meia o porei a par de tudo. Há de se admirar, é provável; dirá estupefato: -“Niterói?” Tudo faz parte da posição secundária a que se relegou a cidade diante da atual capital.
            Mas, afinal, que mal há em vir do Ceará a Niterói? Antiga capital do estado, Niterói tem belezas naturais que imitam as belezas cariocas. (Lembre-se que carioca é adjetivo exclusivo para o que se origina na cidade do Rio de Janeiro). Em Niterói o sotaque é indistinto daquele do outro lado da baía; o trânsito é igualmente infernal; as praias também são lotadas; o calor no verão não fica atrás; as mulheres são tão belas quanto; as favelas imitam suas correspondentes vizinhas; e, pra falar a verdade, estar em Niterói é como estar no Rio do Pão de Açúcar e do Morro da Urca. O que separa as duas cidades é uma pouca quantidade de água, quase um temporal fortalezense, desses que dissolvem nosso asfalto.
            Tanto é assim que ontem quando visitava a Fortaleza de Santa Cruz me bate o telefone o Chico e eu lhe digo: -“Estou no Rio.” Há de ter contaminado a alma do brasileiro vivo e o ainda por viver a noção inamovível de que o Rio da Prado Júnior e da Praça Mauá é o Rio de todas as cidades do estado. Imediatamente corrigi, tentando me livrar do vírus congênito: -“Vim a Niterói.” Para minha surpresa ele nada perguntou. Não quis saber o que aqui vim fazer. (As excentricidades são sempre motivo de indignação e admiração pejorativa.) Combinamos uma cerveja para a volta, quando seguramente – aí, sim! – fará inúmeras perguntas.
            Já mato a curiosidade dos amigos dizendo que vim a Niterói – já estou voando de volta neste exato momento – ver amigos e passear, se possível, como de fato foi. Tendo amigos também no Rio da Quinta da Boa Vista, lá – o avião já sobrevoa a Bahia – fui tomar um chope com eles, jogar conversa fora, saber dos de outras cidades, quem morreu, quem separou, quem levou chifres. No cômputo geral tivemos bom saldo; ninguém morreu, muitos separaram, alguns levaram chifres. E assim nos despedimos sob o imenso desejo e a promessa de reencontro em breve, quem sabe, lá no Ceará.
            O fato é que passar uns dias em Niterói em casa de Cacau – aquela que interpelou o paciente diabético queixoso da mulher – foi ainda mais deslumbrante do que me hospedar no Barão de Tefé ao lado do hospital onde estagiei em cirurgia vascular. Andando por Icaraí, São Francisco, Charitas e Jurujuba, as praias da baía, tinha sempre à minha frente o Rio de Janeiro-cidade, com a rocha do Pão de Açúcar e sua dureza pétrea perceptível e fixa, a dominar a paisagem com o Corcovado mais ao fundo. Do lado das praias oceânicas ainda lá estava, majestosa e imponente, a rocha da entrada da baía tendo ao fundo a Pedra da Gávea e os diminutos prédios de Copacabana. E por onde andássemos lá estava o Rio, como uma pintura de fundo, ora refulgente com os cálidos raios do sol causticante de seu verão implacável, ora nebuloso, evanescente e opaco, quase indiscernível dentro daquela bruma ígnea e leitosa, ensaiando um alívio na canícula infernal. Foi tentando escapar daquela imagem engolfante e persistente, subindo os morros niteroienses em busca de suas incontáveis fortalezas militares, que nos deparávamos novamente com aquele Rio obstinado em sua exuberante beleza. Finalmente, para minha surpresa e fôlego entrecortado, avistei a Niterói de Araribóia, a região das águas escondidas, repletas de imagens semelhantes e recortes belíssimos. Para fora, no oceano, barcos que vão e vêm.
            Como me ensinou o meu querido amigo Ítalo Rachid, decolar é uma opção; pousar uma necessidade. O avião já está descendo.

Fernando Cavalcanti, 31.01.2011

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