Os
poucos e mais raros leitores hão de se lembrar de meu querido amigo Amorim.
Sim, o Amorim de tantos e tantos carnavais, de tantas e tantas idas e vindas,
de tantos e tantos percalços... Afinal, o homem é um ser humano como outro
qualquer e, sabemos todos... quem de nós não está sujeito às intempéries da
vida? Na vida ou acontecemos, ou a vida acontece. Explico.
Há os que fazem as coisas acontecerem, e há os que
vêm e vão sob os ventos da vida, tangidos por suas forças “inelutáveis” e
“inexoráveis”... (Notem que aqui as aspas são um recurso debochado...)
Pois o Amorim é dos que não são dados ao timão, e
aqui não estou a falar de alguma equipe de futebol. Percebo agora que cometo
uma injustiça com o amigo, e já corrijo. Quando mais jovem, meu amigo dava toda
a pinta de que seria dos homens que reúnem as forças e o intelecto dos que se
comandam, dos que se lideram. E não somente ele, mas outros também já
transpiravam então o ar da vitória sobre si mesmos.
Entretanto, sabe-se lá exatamente quando nem os
porquês, de jovens adultos, tornaram-se eles tolos homens de meia idade, desses
que não podem nem mesmo usar uma gravata, correndo o risco de a sujar com sua
baba espessa e gosmenta. Eis aí, em suma, em que se tornou meu amigo Amorim.
Pois, eis que, outro dia, há uma semana ou pouco
mais, dou de cara com o amigo. Há de parecer aos meus raríssimos leitores que
pus a carroça à frente dos bois ao traçar o processo degenerativo pelo qual
passou o amigo de forma tão categórica e sumária, e direi que não é o caso.
Quis apenas como que, qual introito das teses científicas, exibir o cenário
geral da coisa. (Já fui “acusado” de prolixo...) Direi apenas, e já, o impacto
que este encontro teve em mim: – me senti a uma distância de anos-luz de meu
amigo. Direi de outra forma de modo que a constatação não me faça passar por
pedante: – senti meu amigo a uma distância de anos-luz de mim. Vejam que falar
em “processo degenerativo” de alguém abre espaço a que também, e mais uma vez,
me taxem de pretensioso. Em minha defesa invoco apenas o seguinte: não serei eu
o modelo a quem comparei o amigo – comparo-o unicamente e exclusivamente a quem
ele já foi um dia.
Na adolescência... o que ou quem foi alguém antes de
sua própria adolescência? Resposta: há de ter sido apenas uma criança. Depois,
mais tarde, bem mais tarde, quem foi alguém antes dos cinquenta? o que terá
feito? o que terá sonhado?... enfim, quem terá sido esse alguém antes dos cinquenta,
quase sessenta?
Enquanto conversava com meu amigo – direi sem
delongas – me estarrecia. Eis aí tudo. Quando reencontramos alguém que há muito não vemos, é possível que nos impressionemos com o aspecto físico por uma ou outra
razão. Ou talvez nada nos chame a atenção se o físico estiver de acordo com a
expectativa. Se a prosa enveredar pelo superficial, pelo blábláblá convencional
dos distantes – e aqui é onde se aquilata a distância interpessoal – anela-se a
que algo aconteça a fim de que se encerre o encontro.
Ao contrário, se entre duas pessoas outrora íntimas
a divergência de sentimentos se impuser, não há mais diálogo, não há mais nada –
a distância se impõe. Não diria que foi o que ocorreu conosco, mas não há como
negar o forte abalo que houve ao longo do tempo entre nós. A distância física
não explica a distância entre as almas, mas quem nos tornamos ao longo do tempo,
sim.
O “processo degenerativo” decorre do fato de a
pessoa abandonar, em algum momento, a sua essência, ou do fato de ela permitir
que as deficiências de sua personalidade se amplifiquem em detrimento das características
positivas, as quais como que atrofiam. É como se se permitisse que os vícios, antes
menosprezados ou não levados na devida conta pela errônea noção de que são
passageiros ou sem importância, dominassem completamente a personalidade do
indivíduo. Não há mudança no caráter, de modo que ele permanece sendo
essencialmente “bom”, mas a personalidade adoecida põe a sofrer apenas o
próprio indivíduo.
Meu amigo é, essencialmente, um viciado... em suas
endorfinas, dopaminas, serotoninas, etc. Agora, os gatilhos que ele busca para
disparar essa química eu não conto nem a pau!!!
Sempre um bom texto👏👏👏
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