terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

UM VENTO QUE SOPROU


Os poucos e mais raros leitores hão de se lembrar de meu querido amigo Amorim. Sim, o Amorim de tantos e tantos carnavais, de tantas e tantas idas e vindas, de tantos e tantos percalços... Afinal, o homem é um ser humano como outro qualquer e, sabemos todos... quem de nós não está sujeito às intempéries da vida? Na vida ou acontecemos, ou a vida acontece. Explico.
Há os que fazem as coisas acontecerem, e há os que vêm e vão sob os ventos da vida, tangidos por suas forças “inelutáveis” e “inexoráveis”... (Notem que aqui as aspas são um recurso debochado...)
Pois o Amorim é dos que não são dados ao timão, e aqui não estou a falar de alguma equipe de futebol. Percebo agora que cometo uma injustiça com o amigo, e já corrijo. Quando mais jovem, meu amigo dava toda a pinta de que seria dos homens que reúnem as forças e o intelecto dos que se comandam, dos que se lideram. E não somente ele, mas outros também já transpiravam então o ar da vitória sobre si mesmos.
Entretanto, sabe-se lá exatamente quando nem os porquês, de jovens adultos, tornaram-se eles tolos homens de meia idade, desses que não podem nem mesmo usar uma gravata, correndo o risco de a sujar com sua baba espessa e gosmenta. Eis aí, em suma, em que se tornou meu amigo Amorim. 
Pois, eis que, outro dia, há uma semana ou pouco mais, dou de cara com o amigo. Há de parecer aos meus raríssimos leitores que pus a carroça à frente dos bois ao traçar o processo degenerativo pelo qual passou o amigo de forma tão categórica e sumária, e direi que não é o caso. Quis apenas como que, qual introito das teses científicas, exibir o cenário geral da coisa. (Já fui “acusado” de prolixo...) Direi apenas, e já, o impacto que este encontro teve em mim: – me senti a uma distância de anos-luz de meu amigo. Direi de outra forma de modo que a constatação não me faça passar por pedante: – senti meu amigo a uma distância de anos-luz de mim. Vejam que falar em “processo degenerativo” de alguém abre espaço a que também, e mais uma vez, me taxem de pretensioso. Em minha defesa invoco apenas o seguinte: não serei eu o modelo a quem comparei o amigo – comparo-o unicamente e exclusivamente a quem ele já foi um dia.
Na adolescência... o que ou quem foi alguém antes de sua própria adolescência? Resposta: há de ter sido apenas uma criança. Depois, mais tarde, bem mais tarde, quem foi alguém antes dos cinquenta? o que terá feito? o que terá sonhado?... enfim, quem terá sido esse alguém antes dos cinquenta, quase sessenta?
Enquanto conversava com meu amigo – direi sem delongas – me estarrecia. Eis aí tudo. Quando reencontramos alguém que há muito não vemos, é possível que nos impressionemos com o aspecto físico por uma ou outra razão. Ou talvez nada nos chame a atenção se o físico estiver de acordo com a expectativa. Se a prosa enveredar pelo superficial, pelo blábláblá convencional dos distantes – e aqui é onde se aquilata a distância interpessoal – anela-se a que algo aconteça a fim de que se encerre o encontro.
Ao contrário, se entre duas pessoas outrora íntimas a divergência de sentimentos se impuser, não há mais diálogo, não há mais nada – a distância se impõe. Não diria que foi o que ocorreu conosco, mas não há como negar o forte abalo que houve ao longo do tempo entre nós. A distância física não explica a distância entre as almas, mas quem nos tornamos ao longo do tempo, sim.
O “processo degenerativo” decorre do fato de a pessoa abandonar, em algum momento, a sua essência, ou do fato de ela permitir que as deficiências de sua personalidade se amplifiquem em detrimento das características positivas, as quais como que atrofiam. É como se se permitisse que os vícios, antes menosprezados ou não levados na devida conta pela errônea noção de que são passageiros ou sem importância, dominassem completamente a personalidade do indivíduo. Não há mudança no caráter, de modo que ele permanece sendo essencialmente “bom”, mas a personalidade adoecida põe a sofrer apenas o próprio indivíduo.
Meu amigo é, essencialmente, um viciado... em suas endorfinas, dopaminas, serotoninas, etc. Agora, os gatilhos que ele busca para disparar essa química eu não conto nem a pau!!!

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