Com o perdão da franqueza, devo admitir: o escrito abaixo já completa
quase um ano e só agora o surpreendi entre uma penca de rascunhos malcuidados e
abandonados. Caberá algum complemento, digo, atualização logo mais? Março já se
aproxima e, como vivemos à era dos aplicativos, é bem provável que , sim,
faremos updates.
***
Corre o mês de março.
Eis que estou a me lembrar – é o mês em que faz
aniversário o meu amigo Fábio Motta. Sim, comemora-se a festiva data ao dia 23
do corrente. Digo “festiva data” e já me arrependo. E por quê?, perguntará o
leitor. O arrependimento é um sentimento que nos assalta quando agimos de forma
errada e nossa consciência nos aponta a culpa. Ora, seria errado me arrepender
de considerar o dia do aniversário do amigo uma data festiva? Já expliquei
inúmeras vezes, mas vamos lá.
Ocorre que entra
ano e sai ano e o Motta faz tudo da mesma forma. E o que faz ele? Resposta –
tranca-se em si mesmo ao dia de sua festa. Vejam que não afirmei que o homem se
tranca em casa, ou some, ou desliga todos os meios de comunicação que lhe
permitam o alcance. Não. Repito para que não reste a dúvida – o homem tranca-se
em si mesmo. Ou seja, tranca-se em casa, some, desliga tudo, e... não sai da
cama. É tudo junto. É como se o homem estivesse morto.
Diz o poeta que “morrer é apenas não ser visto”. Pois
fica evidente a vontade de morte do amigo. Arrisco-me até a dizer que a coisa
piora a cada ano. Ano passado o homem sumiu por três dias. Penso que estava tão
apegado ao leito de morte que ao erguer-se teve um surto de articulações
congeladas. Na toalete, olhando-se no espelho, assemelhava-se a um figurante de
“Epidemia de Zumbis”, ou de “A Volta dos Mortos-Vivos”. Por um momento, em sua
atual Síndrome de Peter Pan, julgou-se o ator principal de “Meu Namorado É Um
Zumbi”. Outro dia escrevi que o pior suicida é o que não morre e, repito, o
pior suicida é o que não morre.
Assim, em duas semanas veremos o que nos reserva o
homem. Espera-se uma mudança radical em seu comportamento para esse ano. E por
quê? Porque agora ele é um surfista. Um surfista de marola, é verdade, mas
ainda assim um surfista.
Certa vez falei aqui do Chico, meu amigo e
compadre. Relatei então sua enorme vontade de virar barista. De cervejeiro
passou a ser um apreciador voraz de café, conhecedor de todos os tipos de grãos
e nuances dessa bebida tão popular. Num átimo tudo se fez claro – queria imitar
o chefe, a quem muito admirava, este sim, um verdadeiro mestre sobre os temas
do café. Vê-se, assim, o que o amor e a admiração são capazes de fazer – há
quem queira ser como o ser amado e admirado. Passados uns poucos anos e o
compadre abandonou o desejo de ser como o chefe. Seguramente não se esvaíram os
sentimentos – o que sobreveio foi alguma maturidade, ou algum constrangimento,
ou ambos. Afinal, mesmo para os que querem ser como o Peter Pan chega o dia da
desilusão, quero crer.
Nosso Motta, assim como o Chico, por um lado seria
um Peter Pan com a história do surf – há aí os “masters”, surfistas que assumem
uma certa maturidade –, ao passo que, por outro lado, seria um velhinho
desdentado e entrevado em artroses à proximidade da comemoração de seu
natalício.
É aí que surge a seguinte pergunta inexorável: –
afinal, a quem nosso Motta quer imitar quando se aproxima o 23 de março em seu
retiro auto imposto? A resposta está na ponta da língua: – o homem quer imitar
Madame Serjão! Sim, Fábio Motta que imitar o seu mui amado amigo Madame Serjão,
vulgo Sérgio Moura! E logo faço uma ressalva, a que não digam que estou
acusando o homem de “velho”: meu amigo Serjão está na flor da idade, uma
potência indo e voltando, mais indo do que voltando ou mais voltando do que
indo! Tanto faz!
O fato é que tenho como provar essa imitação
barata, bastando para tal que leiam o relato incontestável sobre este hábito há
muito cultivado por este outro varão vigoroso conhecido nas rodas sociais como Madame Serjão (https://umhomemdescarrado.blogspot.com/2013/11/va-morrer-pra-la.html).
Eis aí esmiuçada a trama das imitações
interpessoais de nosso pequeno ciclo de amigos fiéis, numa demonstração de amor
fraternal e – por que não dizer? – de invejas contumazes e pouco originais. A
propósito de tudo isso, no que a mim compete passo ao largo de todas elas e
repito em alto e bom som: – vão morrer pra lá!
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